Dona Ruth Guimarães Botelho (Cachoeira Paulista, 13 de junho de 1920) é folclorista, cronista, romancista, contista e tradutora.
Foi a primeira escritora brasileira que conseguiu projetar-se nacionalmente desde o lançamento do seu primeiro livro, o romance Água Funda, em 1946.
Com dez anos de idade, publicou os seus primeiros poemas em jornais da terra natal. Com 18 anos mudou-se para a cidade de São Paulo, onde se formou em Filosofia pela USP. Profissionalizou-se como jornalista e colaborou assiduamente na imprensa paulista e carioca, além da seção permanente que manteve durante vários anos na Revista do Globo, de Porto Alegre. Escreveu crônicas para grandes jornais como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Tem uma coluna semanal de crônicas no jornal Valeparaibano, de São José dos Campos. Em 5 de junho de 2008, para enorme orgulho nosso, Dona Ruth foi empossada na Academia Paulista de Letras como imortal, recebendo 30 dos 34 votos válidos. A escritora foi aluna e discípula de Mário de Andrade, que a iniciou nos estudos de folclore e literatura popular.
Segue entrevista que D. Ruth me concedeu em maio de 2007.
Quando a arte é popular?
Quando vivenciada, isto é, adotada e adaptada pelo povo sem a influência dos mestres.
Como preservar a identidade?
Vivendo total e profundamente.
O que evoca o som do tambor?
A consciência de estarmos vivos e atuantes seja qual for a área, participando do ritmo da vida.
Como cultivar raízes?
Sendo fiel a elas. Pular de galho em galho é muito bom para os macacos.
Tombar prédio histórico resolve?
De maneira nenhuma. Do jeito que é feito, sem preparo, sem restauração e sem ajuda dos órgãos competentes tombar é sinônimo de derrubar porque inclusive impede a ação comum dos proprietários que é evidentemente o modo popular de preservar.
O que valeria a pena restaurar?
Tudo vale a pena se a vida não é pequena.
E o que merece uma implosão?
Os prédios do senado e da câmara com todos os corruptos dentro.
Santo do pau oco faz milagre?
Fez muitos para os espertos que o inventaram.
Que batalha nunca é perdida?
Depende de como se luta. Depende da força e da persistência em continuar.
Quem merece virar peça de museu?
Há muita gente viva que já é peça de museu.
O que não dá para guardar?
Dinheiro, que foi feito para gastar.
E se o lobisomen aparece?
É preciso enfrentá-lo. É estar preparado pois a vida é uma contínua surpresa.
O que nem simpatia resolve?
O que é mal começado.
Que peça valorizaria seu acervo?
Qualquer livro de literatura universal.
Noite de lua cheia é bom para…
Ficar na cama para não virar bruxa nem lobisomem.
O que a assusta mais Corpo Seco ou mula sem cabeça?
Nem um nem outro. Gente viva maldosa me assusta muito mais.
Qual a receita para mal olhado?
Reza brava e benzimento e um galho de arruda atrás da orelha.
Quem escolheria como par para dançar a quadrilha?
Sou contra a formação de quadrilha.
Promessa quebrada tem conserto?
Quem é de fazer promessa não é de quebrá-la.
Quando a idade não pesa?
Quando não é preciso comparar diferenças.
O que escondem os cabelos brancos?
Cabelos brancos não escondem. Mostram que já vivemos bastante.
Como ampliar horizontes?
Vivendo até o limite absoluto.
Juventude é:
Um sol. Os nossos dias são iluminados se nossa juventude foi de luta. Pois de luta e alegria a juventude com responsabilidade, amor e trabalho ilumina para sempre qualquer vida.
Maturidade é:
É o preparo para o fim. Na maturidade chega a vez de devolvermos o que nos foi dado, isto é, emprestado pela vida.
O que não pode ser apagado da memória?
O remorso. Ele jamais pode ser apagado.
Uma receita para se escrever um bom livro
Há que começar lendo. Sabedoria e imaginação.
Para quem faria uma dedicatória especial?
Para todos os meus amigos ofereço tudo quanto faço.
Que livro não sai de sua cabeceira?
Muitos. Os melhores deles não cabem na cabeceira, ficam na estante mesmo.
Grande fonte de inspiração é…
A leitura de bons autores, as viagens e principalmente a comunicação com muita gente.
Terra, fogo, água ou Ar?
Fogo me queima. Água me assusta. Para o ar faltam-me as asas. Sou bicho da terra.
Quem conta um conto…
… aumenta um ponto… não! Não vamos fazer apologia das mentiras.
Quem merece estar em foco?
Todos aqueles que são autênticos.
Defina-se em uma frase: Eu sou…
… autêntica!
(Ludmila Saharovsky)
Passa. A água bole um pouco. E depois não fica mais nada. E quando alguém mexe com varejão no todo e turva a correnteza, isso também não tem importância. Água vem, água vai, fica tudo no mesmo outra vez”.
Ruth Guimarães (texto do romance Água Funda, 1946).
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