Ruth Guimarães
Ela é engraçada. Engraçada de duas
maneiras. No sentido medieval do termo, com muita graça nos olhos, no formato
do rosto de zigomas altos e largos, no escurinho da face que mais se arredonda
no riso contagiante, engraçada nos modos, no todo o seu tantinho exótico. É
engraçada também porque tem uns olhos grandes e sábios, às vezes centenas de
anos mais velhos do que a jovenzinha que ela é. E no espelho desses lagos
profundos, aparecem às vezes revelações de abismos que espantam, como se vindos
de outras eras. E então ela tem esse olhar como quem se perde. Como de quem
adivinha. E enquanto oscila entre esses dois universos, suavemente adolesce.
São de adolescente os versos do poema da madrugada:
Quero escrever um
poema com jeitos de madrugada
Com cheiros de
madrugada
Com toques de
madrugada.
Quero fazer um
poema
Que me alegre
Como ontem me
alegraram
As tuas mãos
trançadas sobre as minhas.
Eu quisera ser o pó
Que segue a dançar
Pelas estradas
Quisera voar com os
ventos
Rolar com todas as
águas.
(ainda é manhã na poesia de Marta.)
Sei que canção
canta o rio
Ao descer da
montanha,
E porque chora o
vento.
E porque morrem as
flores
Ao findar-se o dia.
Sei dos suspiros da
chama
E porque chora a
fonte.
Sei que sonho
encantado
Os olhos se
entrefecham.
Que abraços te
abraçam
E que beijos te
beijam.
Só não sei (quem me
dera soubesse)
Ser um sonho nos
teus sonhos.
E agora, quem canta
Marta?
Não mais tristeza,
não mais a vida,
Não mais o amargo
desse amargor.
Não mais os sonhos,
ó tão querido,
Pobre alimento do
meu amor.
Não mais um jeito
de despedida,
Não mais um gesto,
não mais o adeus
Só bem tranqüilo,
pobre querido,
O rio imenso da
minha vida,
Rolando manso nos
olhos teus.
Mas eis que lhe
escapam alguns acenos. De onde vêm?
Incertamente dentro
dos meus sonhos,
Tomei as tuas mãos
e as coloquei entre
As minhas
lembranças invencíveis.
Não me lembro como
fui e já nem sei como sou.
Ando cansada da
vida, cansada de mim estou.
Onde encontrei
olhos tão grandes, esses meus
Olhos castanhos?
Eu me desconheço a
mim,
Ando caminhos de
sono.
Sigo hoje para o
reino,
Onde buscamos
encontrar olhos magoados,
Que chorem por nós.
E nesse reino nos
será dado
O poder de nos
juntarmos
Com a negra
podridão de terra
E o suave murmúrio
da fonte.
E eis que é noite na poesia de
Marta.
(“O Cachoeirense”,
04 a 10/01/1980)
Foi minha amiguinha de infância! Demos muitas voltas , juntos, na praça Prado Filho!
ResponderExcluir