terça-feira, 25 de novembro de 2014

Aos 78 anos, seu Botelho diz querer voltar a fotografar

Claudia Varella e Jurandir Rodrigues
Primeira Página, Cachoeira Paulista, 16 de janeiro de 1999

O fotógrafo José Botelho Netto disse, emocionado, que sonha em voltar a fotografar. “Tenho vontade de voltar à fotografia, mas não tenho coragem de pegar nas máquinas, de escolher as poses, os melhores ângulos”, afirmou ele.
Seu Botelho, ou seu Zizinho, como também é mais conhecido, completou 78 anos nesta sexta-feira, dia 15. Sem fotografar há dois anos, ele comemorou 50 anos de profissão em 1997 ao lado da mulher, a escritora e folclorista Ruth Guimarães. Os dois, que são primos de primeiro grau, vão completar 50 anos de casamento no próximo dia 15 de março. “Tudo que sou, devo a Ruth”, declarou.
Abatido por um câncer de próstata descoberto há três anos, seu Botelho concedeu uma entrevista a Primeira Página na sexta-feira, dia 08, em sua casa próximo ao viaduto, defronte da linha férrea. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Namoro com Ruth
Aqui tinha um corredor de casas muito pobres. Sou seis meses mais novo que ela. Um dia choveu e molhou a malha onde eu dormia. Então, minha tia, que é a mãe dela e minha madrinha, me colocou no bercinho de Ruth. Nosso namoro começou assim.
Mais tarde, Ruth foi fazer escola em São Paulo e passou um ano em casa. Aí nos cerramos um namoro, os dois com 14 anos. Começamos a trabalhar juntos com 25 anos, eu como fotógrafo e ela como repórter. Eu gostava de trabalhar com ela.

Casamento
Nós nos casamos com 28 anos. Nosso casamento faz 50 anos no dia 15 de março.

Filhos
Tivemos nove filhos. Os três mais velhos morreram (pausa). Eu não gosto de lembrar desses três filhos. O Antonio José era doente, tinha problema nos rins. A mais velha era a Marta. Depois, vinha o Rubinho. O meu tesouro são meus filhos. Eles são tão bons! Nunca pensei que tivesse uma velhice tão bonita. O Judá (um dos filhos) toma conta de mim, me dá remédios nas horas certas. Não tem nenhum melhor que o outro.

Casar primo com primo
Antes de nos casarmos, fui ao médico, perguntei se não fazia mal me casar com uma prima. Ele falou que não tinha problema, mas que, se houvesse alguma coisa, traria dificuldades para os filhos. Todos os filhos nossos são excepcionais. É mais forte num dos que nos outros, mas todos são excepcionais. Porém, não queríamos outros filhos.

Preconceito
Não houve resistências dentro das nossas famílias quando nos casamos. A minha mãe gostava da Ruth. Nós começamos a sair juntos e foi em Suzano que o namoro se firmou, quando começamos a trabalhar juntos.

Ruth
Tudo que eu sei, eu devo a Ruth. Tudo que eu sou, é a Ruth. Ela me ensinou a ler. Nossa vida foi uma aventura tão grande, uma vida tão dura.

Deus
Houve um dia que eu saí desesperado, cheguei à casa dela (da Ruth) umas 11 horas da noite. Eu perguntei para ela assim: Ruth, existe Deus? Ela disse: isso é com você. Os intelectuais não acreditam em Deus. Eu era filho de Maria, era religioso. Comecei a ler o livro “Apenas um coração Solitário”, que não tem nada com religião. E foi neste livro que descobri que não havia Deus. Eu tinha uns 22 anos. A gente chega a essa crença sozinho, e depois se firma.

Religião
Eu respeito as religiões, tenho amigos espíritas muito bons, tenho amigos católicos também. Ninguém sabe que a gente não tem religião nem acredita em Deus. Nunca falei de religião para os filhos. Nem bem nem mal. Se eles querem ir a um centro espírita, vão; a uma igreja protestante, vão. Eles tem a mesma crença; descobriram por si mesmos.

Livros
Ainda leio muito. Sempre li muito. A Ruth lê ficção. Eu leio revistas cientificas, leio filósofos, como Platão e Aristóteles.

Interesse pela fotografia
Estava atravessando a Praça da República (em São Paulo) junto com a Ruth. Ela falou assim: olha folha desta arvore; parece uma mão. Foi assim que descobri a fotografia. Quem me descobriu mesmo foi a irmã Olga (Olga de Sá, diretora da Fatea). Ela me deu todo apoio (eu já era fotógrafo há muitos anos).

Início da profissão
Tinha uns 20 e poucos anos quando comecei a trabalhar com fotografia. Depois de 97, não fotografei mais. Eu tenho máquina, tudo guardado ainda.

O fotógrafo
Eu sempre fotografei assim: gostava de alguma coisa e fazia a foto. O fotógrafo tem o olho mais agudo, tem o dom de enxergar alguma coisa de uma forma diferente.

Melhores fotos
Cada uma que faço, eu me empenho, deixo corpo, deixo alma, deixo tudo ali, na foto. Gosto de fotografar o rio (Paraíba). Fiz milhares, milhares de fotos nesses 50 anos de carreira.

A foto que não fez
A fotografia bonita que eu não tirei foi do então governador de Goiás durante a construção de Brasília. Eu cheguei a Brasília naquela época e vi um homem carregando uma viga nas costas. Parecia que ele era um super-home.
Aí ele limpou a mão para me cumprimentar. Era o governador de Goiás. Ele estava ajudando na construção de Brasília.

Prêmios e exposições
Nunca dei importância para prêmios. Ganhei alguns prêmios regionais. Mas nunca liguei. Agora que eu sei que sou bom. Fiz exposições no Santa Teresa e na Casa de Cultura de Lorena. Tinha vontade de fazer uma exposição no Sesc de Guará.

Dinheiro
Com a fotografia, dava para sobreviver. Eu fazia 3x4 muito bem, sabe? Ali eu ganhava dinheiro.

Por que parou?
Parei porque não tenho coragem de pegar na máquina. O motivo foi a doença.


Seu sucessor
Não tenho visto fotografias de ninguém. Eu me lembro do Celinho (Célio Ferreira). Nós fizemos uma exposição juntos. Quem é bom fotógrafo aqui em Cachoeira é o Robertinho (Roberto Godoy). Nunca vi uma foto dele, mas sei que ele é bom fotógrafo.

A doença
Eu tenho câncer. E tive a doença com estresse, o que agravou minha situação. O médico me falou que essa doença não vai se resolver assim tão fácil. Mas agora eu tenho 78 anos. Saí da fase de estresse. Agora que eu encontrei um médico bom. Comecei um tratamento com ele. Tomo dois comprimidos de Androcur por dia. Estava deprimido, agora estou bem melhor. Sabe do que preciso? De vocês, de bons amigos. O Severino (professor Severino Antonio Moreira Barbosa) é meu bom grande amigo. Eu fico muito fechado. Quando chegam os amigos, eu fico tão alegre, fico animado. A presença dos amigos é um grande remédio para mim.

Morte

Não tenho medo da morte. Eu queria morrer. Eu queria, agora não quero mais. Ainda tenho vontade de fotografar, mas não posso, não tenho coragem de pegar na máquina, de sair, de escolher as poses. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário