Claudia
Varella e Jurandir Rodrigues
Primeira
Página, Cachoeira Paulista, 16 de janeiro de 1999
O
fotógrafo José Botelho Netto disse, emocionado, que sonha em voltar a
fotografar. “Tenho vontade de voltar à fotografia, mas não tenho coragem de
pegar nas máquinas, de escolher as poses, os melhores ângulos”, afirmou ele.
Seu
Botelho, ou seu Zizinho, como também é mais conhecido, completou 78 anos nesta
sexta-feira, dia 15. Sem fotografar há dois anos, ele comemorou 50 anos de
profissão em 1997 ao lado da mulher, a escritora e folclorista Ruth Guimarães.
Os dois, que são primos de primeiro grau, vão completar 50 anos de casamento no
próximo dia 15 de março. “Tudo que sou, devo a Ruth”, declarou.
Abatido
por um câncer de próstata descoberto há três anos, seu Botelho concedeu uma
entrevista a Primeira Página na sexta-feira, dia 08, em sua casa próximo ao
viaduto, defronte da linha férrea. A seguir, os principais trechos da
entrevista.
Namoro com Ruth
Aqui
tinha um corredor de casas muito pobres. Sou seis meses mais novo que ela. Um
dia choveu e molhou a malha onde eu dormia. Então, minha tia, que é a mãe dela
e minha madrinha, me colocou no bercinho de Ruth. Nosso namoro começou assim.
Mais
tarde, Ruth foi fazer escola em São Paulo e passou um ano em casa. Aí nos
cerramos um namoro, os dois com 14 anos. Começamos a trabalhar juntos com 25
anos, eu como fotógrafo e ela como repórter. Eu gostava de trabalhar com ela.
Casamento
Nós
nos casamos com 28 anos. Nosso casamento faz 50 anos no dia 15 de março.
Filhos
Tivemos
nove filhos. Os três mais velhos morreram (pausa). Eu não gosto de lembrar
desses três filhos. O Antonio José era doente, tinha problema nos rins. A mais
velha era a Marta. Depois, vinha o Rubinho. O meu tesouro são meus filhos. Eles
são tão bons! Nunca pensei que tivesse uma velhice tão bonita. O Judá (um dos
filhos) toma conta de mim, me dá remédios nas horas certas. Não tem nenhum
melhor que o outro.
Casar primo com
primo
Antes
de nos casarmos, fui ao médico, perguntei se não fazia mal me casar com uma
prima. Ele falou que não tinha problema, mas que, se houvesse alguma coisa,
traria dificuldades para os filhos. Todos os filhos nossos são excepcionais. É mais
forte num dos que nos outros, mas todos são excepcionais. Porém, não queríamos outros
filhos.
Preconceito
Não
houve resistências dentro das nossas famílias quando nos casamos. A minha mãe gostava
da Ruth. Nós começamos a sair juntos e foi em Suzano que o namoro se firmou,
quando começamos a trabalhar juntos.
Ruth
Tudo
que eu sei, eu devo a Ruth. Tudo que eu sou, é a Ruth. Ela me ensinou a ler.
Nossa vida foi uma aventura tão grande, uma vida tão dura.
Deus
Houve
um dia que eu saí desesperado, cheguei à casa dela (da Ruth) umas 11 horas da
noite. Eu perguntei para ela assim: Ruth, existe Deus? Ela disse: isso é com
você. Os intelectuais não acreditam em Deus. Eu era filho de Maria, era
religioso. Comecei a ler o livro “Apenas um coração Solitário”, que não tem
nada com religião. E foi neste livro que descobri que não havia Deus. Eu tinha
uns 22 anos. A gente chega a essa crença sozinho, e depois se firma.
Religião
Eu
respeito as religiões, tenho amigos espíritas muito bons, tenho amigos católicos
também. Ninguém sabe que a gente não tem religião nem acredita em Deus. Nunca falei
de religião para os filhos. Nem bem nem mal. Se eles querem ir a um centro espírita,
vão; a uma igreja protestante, vão. Eles tem a mesma crença; descobriram por si
mesmos.
Livros
Ainda
leio muito. Sempre li muito. A Ruth lê ficção. Eu leio revistas cientificas,
leio filósofos, como Platão e Aristóteles.
Interesse pela
fotografia
Estava
atravessando a Praça da República (em São Paulo) junto com a Ruth. Ela falou
assim: olha folha desta arvore; parece uma mão. Foi assim que descobri a
fotografia. Quem me descobriu mesmo foi a irmã Olga (Olga de Sá, diretora da
Fatea). Ela me deu todo apoio (eu já era fotógrafo há muitos anos).
Início da profissão
Tinha
uns 20 e poucos anos quando comecei a trabalhar com fotografia. Depois de 97,
não fotografei mais. Eu tenho máquina, tudo guardado ainda.
O fotógrafo
Eu
sempre fotografei assim: gostava de alguma coisa e fazia a foto. O fotógrafo
tem o olho mais agudo, tem o dom de enxergar alguma coisa de uma forma
diferente.
Melhores fotos
Cada
uma que faço, eu me empenho, deixo corpo, deixo alma, deixo tudo ali, na foto. Gosto
de fotografar o rio (Paraíba). Fiz milhares, milhares de fotos nesses 50 anos
de carreira.
A foto que não fez
A
fotografia bonita que eu não tirei foi do então governador de Goiás durante a
construção de Brasília. Eu cheguei a Brasília naquela época e vi um homem
carregando uma viga nas costas. Parecia que ele era um super-home.
Aí ele limpou a mão para me cumprimentar. Era o governador de Goiás. Ele estava ajudando na construção de Brasília.
Aí ele limpou a mão para me cumprimentar. Era o governador de Goiás. Ele estava ajudando na construção de Brasília.
Prêmios e
exposições
Nunca
dei importância para prêmios. Ganhei alguns prêmios regionais. Mas nunca
liguei. Agora que eu sei que sou bom. Fiz exposições no Santa Teresa e na Casa
de Cultura de Lorena. Tinha vontade de fazer uma exposição no Sesc de Guará.
Dinheiro
Com
a fotografia, dava para sobreviver. Eu fazia 3x4 muito bem, sabe? Ali eu
ganhava dinheiro.
Por que parou?
Parei
porque não tenho coragem de pegar na máquina. O motivo foi a doença.
Seu sucessor
Não
tenho visto fotografias de ninguém. Eu me lembro do Celinho (Célio Ferreira). Nós
fizemos uma exposição juntos. Quem é bom fotógrafo aqui em Cachoeira é o
Robertinho (Roberto Godoy). Nunca vi uma foto dele, mas sei que ele é bom
fotógrafo.
A doença
Eu
tenho câncer. E tive a doença com estresse, o que agravou minha situação. O médico
me falou que essa doença não vai se resolver assim tão fácil. Mas agora eu
tenho 78 anos. Saí da fase de estresse. Agora que eu encontrei um médico bom. Comecei
um tratamento com ele. Tomo dois comprimidos de Androcur por dia. Estava deprimido,
agora estou bem melhor. Sabe do que preciso? De vocês, de bons amigos. O
Severino (professor Severino Antonio Moreira Barbosa) é meu bom grande amigo. Eu
fico muito fechado. Quando chegam os amigos, eu fico tão alegre, fico animado.
A presença dos amigos é um grande remédio para mim.
Morte
Não
tenho medo da morte. Eu queria morrer. Eu queria, agora não quero mais. Ainda tenho
vontade de fotografar, mas não posso, não tenho coragem de pegar na máquina, de
sair, de escolher as poses.
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