Ruth Guimarães lançou mais de 50 livros. Foto: Rita Elisa Seda
Ela sofreu uma parada cardíaca na tarde desta quarta-feira; durante três anos ela foi colunista de O VALE
Paula Maria PradoSão José dos Campos - Atualizada às 20h20
“A Ruth Guimarães, minha irmã, parenta minha, que escreve como uma fada escreveria” , definiu Guimarães Rosa em dedicatória no livro “Corpo de Baile” a escritora e poetiza de Cachoeira Paulista.
Ruth Guimarães, que foi a primeira escritora negra que conseguiu se projetar nacionalmente a partir de seu livro “Água Funda” (1946), morreu às 14h de ontem, aos 93 anos, vítima de uma parada cardíaca, na cidade onde nasceu. Pela manhã, ela havia sido internada por complicações geradas pela diabetes na Santa Casa de Misericórdia.
A escritora, que sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) em novembro último, trabalhava em um projeto junto à Academia Paulista de Letras cujo objetivo era resgatar histórias brasileiras.
“Para ela, o país estava muito voltadas às histórias europeias e àquelas de Wall Disney. Então, era necessário fazer um resgate das nossas histórias”, afirmou a O VALE Junia Botelho, filha de Ruth.
Convidada a fazer parte Academia Brasileira de Letras, a escritora recusou a imortalidade, uma vez que teria de pedir votos pela cadeira.
“Ela acreditava que o reconhecimento tinha de vir por mérito, não por pedidos de votos”, conta Junia. “E, em um país em que se quer simplificar obras de Machado de Assis para torná-las mais ‘fáceis de ler’, o reconhecimento é mais complicado. Não são as obras que são difíceis de ler, há uma falha na educação”, disse Junia.
História. Muito pobre quando moça e com um histórico de perdas familiares extenso, Ruth era uma pessoa reservada.
Observadora, a escritora não era de falar muito. “Mas a hora que abria a boca...”, lembra a filha. “Era muito perspicaz em seus comentários, inteligente, rápida e muito lúcida.”
Formou-se em letras na USP (Universidade de São Paulo), foi aluna e discípula de Mário de Andrade, que a iniciou nos estudos de folclore e literatura popular.
Ruth é autora de 52 livros e trabalhou para diversas editoras como revisora e tradutora. Também escreveu crônicas e artigos para revistas e jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e Lisboa, entre eles, “O Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo” e “Valeparaibano”.
Em O VALE, Ruth manteve uma coluna semanal de abril de 2010 a fevereiro de 2013.
“Enfim, minha mãe era muito franca, honesta e era muito boa. Fazia o bem sem olhar a quem”, conclui Junia.
Velada ontem em casa, em Cachoeira Paulista, como manda a tradição familiar, Ruth Guimarães será enterrada hoje, às 10h, em Cruzeiro.
Parte da bibliografia
“Água Funda” (1946)
“Filhos do Medo” (1950)
“Mulheres Célebres” (1960)
“Líderes Religiosos” (1961)
“Lendas e Fábulas do Brasil” (1972)
“O Mundo Caboclo de Valdomiro Silveira” (1974)
“Grandes Enigmas da História” (1975)
“Medicina Mágica: As simpatias” (1986)
“Crônicas Valeparaibanas” (1992)
“Contos de Cidadezinha” (1996)
“Calidoscópio - A Saga de Pedro Malazarte” (2006)
Crônica escrita por Ruth Guimarães e publicada por O VALE em fevereiro de 2013
“A Ruth Guimarães, minha irmã, parenta minha, que escreve como uma fada escreveria” , definiu Guimarães Rosa em dedicatória no livro “Corpo de Baile” a escritora e poetiza de Cachoeira Paulista.
Ruth Guimarães, que foi a primeira escritora negra que conseguiu se projetar nacionalmente a partir de seu livro “Água Funda” (1946), morreu às 14h de ontem, aos 93 anos, vítima de uma parada cardíaca, na cidade onde nasceu. Pela manhã, ela havia sido internada por complicações geradas pela diabetes na Santa Casa de Misericórdia.
A escritora, que sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) em novembro último, trabalhava em um projeto junto à Academia Paulista de Letras cujo objetivo era resgatar histórias brasileiras.
“Para ela, o país estava muito voltadas às histórias europeias e àquelas de Wall Disney. Então, era necessário fazer um resgate das nossas histórias”, afirmou a O VALE Junia Botelho, filha de Ruth.
Convidada a fazer parte Academia Brasileira de Letras, a escritora recusou a imortalidade, uma vez que teria de pedir votos pela cadeira.
“Ela acreditava que o reconhecimento tinha de vir por mérito, não por pedidos de votos”, conta Junia. “E, em um país em que se quer simplificar obras de Machado de Assis para torná-las mais ‘fáceis de ler’, o reconhecimento é mais complicado. Não são as obras que são difíceis de ler, há uma falha na educação”, disse Junia.
História. Muito pobre quando moça e com um histórico de perdas familiares extenso, Ruth era uma pessoa reservada.
Observadora, a escritora não era de falar muito. “Mas a hora que abria a boca...”, lembra a filha. “Era muito perspicaz em seus comentários, inteligente, rápida e muito lúcida.”
Formou-se em letras na USP (Universidade de São Paulo), foi aluna e discípula de Mário de Andrade, que a iniciou nos estudos de folclore e literatura popular.
Ruth é autora de 52 livros e trabalhou para diversas editoras como revisora e tradutora. Também escreveu crônicas e artigos para revistas e jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e Lisboa, entre eles, “O Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo” e “Valeparaibano”.
Em O VALE, Ruth manteve uma coluna semanal de abril de 2010 a fevereiro de 2013.
“Enfim, minha mãe era muito franca, honesta e era muito boa. Fazia o bem sem olhar a quem”, conclui Junia.
Velada ontem em casa, em Cachoeira Paulista, como manda a tradição familiar, Ruth Guimarães será enterrada hoje, às 10h, em Cruzeiro.
Parte da bibliografia
“Água Funda” (1946)
“Filhos do Medo” (1950)
“Mulheres Célebres” (1960)
“Líderes Religiosos” (1961)
“Lendas e Fábulas do Brasil” (1972)
“O Mundo Caboclo de Valdomiro Silveira” (1974)
“Grandes Enigmas da História” (1975)
“Medicina Mágica: As simpatias” (1986)
“Crônicas Valeparaibanas” (1992)
“Contos de Cidadezinha” (1996)
“Calidoscópio - A Saga de Pedro Malazarte” (2006)
Crônica escrita por Ruth Guimarães e publicada por O VALE em fevereiro de 2013
Marie Curie, escrevendo para a sobrinha Hanna Szalay, em 13 de janeiro de 1913, contava da criação de bichos-da-seda das filhas, comentando as lagartinhas “tão ativas, tão conscienciosas”. Fala de sua parecença com elas, por causa da dedicação paciente a um fim único. Divaga: “Eu também era uma lagarta. Trabalhava sem ter a menor certeza de que lá estava o certo, mas sabendo que a vida é um instante, que nada deixa atrás de si, e que outras criaturas tudo concebem de modo diferente do meu. Se procedi assim, é que qualquer coisa obriga a lagartinha a construir o seu casulo, ainda que lhe seja impossível terminá-lo -- e sempre com o mesmo capricho. E, se não chega ao fim da tarefa, morre sem se metamorfosear, isto é, sem recompensa.” E arremata a cartinha assim: “Que cada um de nós fie o seu casulo sem perguntar por quê, nem para que fim.”
Será, então, que escrevo para, terminado o fiar incessante do casulo, um dia emergir, ente alado, leve, cujo ambiente é a amplidão, livre afinal do cárcere que, por mim mesma, construí e fechei?
Então, será para mim mesma que escrevo?
Para quê e para quem escrevo?
Indago de mim mesma e encontro numerosas respostas, possivelmente nenhuma correta.
Para obter honra e glória?
Para dizer tudo o que penso?
Para me aproximar do semelhante?
Para tentar derrubar o muro que separa um ser de outro ser?
Para aprender o sortilégio da vida, que, de outro modo, não alcanço?
Para justificar esta minha existência?
Para deixar impressos no mundo os traços da minha passagem?
Ah! Eu conto histórias para quem nada exige, e para quem nada tem. Para aqueles que conheço: os ingênuos, os pobres, os ignaros, sem erudição nem filosofias. Sou um deles. Participo do seu mistério. Essa é a única humanidade disponível para mim. Quem me dera escrevesse com suficiente profundeza, mas claramente e simplesmente, para ser entendida pelos simples e ser o porta-voz dos seus anseios. Meu temário são as acontecências sem eco no mundo, mas que ajudam a explicar a vida e seus segredos, que talvez possam conter a alma imortal de cada um, seja do rústico, seja do letrado, com suas virtudes essenciais.
Não realizo o alcance do meu clamor, como não reconheço, fora de mim, gravada, a minha própria voz. Ela me parece feia, inexpressiva, não a reconheço, não é a que escuto com a garganta, minha, em mim, nas profundezas do ser. Falta-me distância, falta-me perspectiva.
Escreverei, hoje, para hoje? Que é quanto dura uma crônica de jornal? Para amanhã? Para daqui a um ano? Para daqui a uma década, que é quanto dura -- quem sabe? -- um livro?
Não sei. Realmente não sei. Continuo tecendo o meu casulo.
Em meus textos, onde estou? Do que dou testemunho, certamente, é que eu estava mesmo aqui, enquanto os escrevia.
Meus textos, por que os escrevo? Não sei. Realmente não sei. Mas continuarei a escrevê-los.
Será, então, que escrevo para, terminado o fiar incessante do casulo, um dia emergir, ente alado, leve, cujo ambiente é a amplidão, livre afinal do cárcere que, por mim mesma, construí e fechei?
Então, será para mim mesma que escrevo?
Para quê e para quem escrevo?
Indago de mim mesma e encontro numerosas respostas, possivelmente nenhuma correta.
Para obter honra e glória?
Para dizer tudo o que penso?
Para me aproximar do semelhante?
Para tentar derrubar o muro que separa um ser de outro ser?
Para aprender o sortilégio da vida, que, de outro modo, não alcanço?
Para justificar esta minha existência?
Para deixar impressos no mundo os traços da minha passagem?
Ah! Eu conto histórias para quem nada exige, e para quem nada tem. Para aqueles que conheço: os ingênuos, os pobres, os ignaros, sem erudição nem filosofias. Sou um deles. Participo do seu mistério. Essa é a única humanidade disponível para mim. Quem me dera escrevesse com suficiente profundeza, mas claramente e simplesmente, para ser entendida pelos simples e ser o porta-voz dos seus anseios. Meu temário são as acontecências sem eco no mundo, mas que ajudam a explicar a vida e seus segredos, que talvez possam conter a alma imortal de cada um, seja do rústico, seja do letrado, com suas virtudes essenciais.
Não realizo o alcance do meu clamor, como não reconheço, fora de mim, gravada, a minha própria voz. Ela me parece feia, inexpressiva, não a reconheço, não é a que escuto com a garganta, minha, em mim, nas profundezas do ser. Falta-me distância, falta-me perspectiva.
Escreverei, hoje, para hoje? Que é quanto dura uma crônica de jornal? Para amanhã? Para daqui a um ano? Para daqui a uma década, que é quanto dura -- quem sabe? -- um livro?
Não sei. Realmente não sei. Continuo tecendo o meu casulo.
Em meus textos, onde estou? Do que dou testemunho, certamente, é que eu estava mesmo aqui, enquanto os escrevia.
Meus textos, por que os escrevo? Não sei. Realmente não sei. Mas continuarei a escrevê-los.
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