segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Teatrocracia

Ruth Guimarães

Porque a terra é redonda e nossa vida também é, a gente dá duas voltinhas e vai parar na Grécia. Que culpa temos nós de que a sua filosofia seja tão profunda e poderosa, tão arguta s sábia, que nos revelou a nós mesmos, e revelou as sociedades a si próprias, com uma dolorosa verdade?

Os gregos viviam muito mais nas ilhas que nos continentes. Muito mais no mar que na terra. O excesso de mar fez deles navegantes. Eles conheceram a solidão, dias e dias sem paisagem, somente mar e céu, dias e dias em que o marulho das ondas, sempre igual e sempre repetido, à força de ser sempre o mesmo se transformava em silêncio.

Os lusitanos também padeceram de solidão, de mar sempre azul, do toque do silêncio e do beijo da morte. Nem por isso se deram às grandes interrogações. Nem por isso os inquietou o mistério da natureza humana. E o que é mais. Com esses carismáticos e cabulosos gregos, o que eles inventaram, descobriram, filosofaram, usaram e viveram, permaneceu para sempre. Jamais algum povo foi tão fundo nas almas.

Juro por Deus que eu não queria falar em Platão. Mas ele descreveu tão bem e analisou a nossa campanha política, e o desempenho dos candidatos, que é mister esquecer que somos maiores que ele, que temos o avião, os computadores, os inefáveis programas de TV e concordar com aqueles que dizem que somos maiores que Platão, porque estamos em pé sobre os seus ombros.

Vamos às eleições. Platão menciona uma fauna que se escondia numa forma de se exibir, de existir, de disputar a governança, e em seguida de governar, que batizou com o nome de teatrocracia.

Basicamente era uma batalha eleitoral, uma campanha corpo a corpo. Parecida com as nossas campanhas, não somente na organização, mas no espírito. A própria vestimenta era um fingimento, uma hipocrisia, para dizer o menos. Apresentava-se o pretendente vestido com a roupa cândida, a vestia branca, sem mancha, impoluta, ostentando absoluta honestidade. Daí o nome candidato. 

O candidato não era mais o homem. Era um personagem. O poeta é um fingidor. Um político também. Finge tão completamente... etc etc.

E como aquele que anseia pela dominação é uma criatura humana, com todos os seus anseios e todos os seus defeitos, ele quer parecer bom aos olhos dos outros, quer conseguir tudo à força de superioridade, é o honesto, o impoluto, o sem mancha. E assim se mostra.

A nossa teatrocracia tupiniquim se manifesta em dois estágios: o antes e o depois. O primeiro capítulo é: eu fiz e eu vou fazer. Eu fiz o Cristo do Corcovado, as cataratas do Iguaçu, a ponte de Niterói, a criação de jacarés do Pantanal, e eu vou fazer que chega ao delírio. E as promessas: Vou tirar todas as ladeiras da cidade para que o coitado do idoso não tenha que se esforçar muito. Deixarei só as descidas. E o sorriso alvar. E os apertos de mão. E chamar cada um pelo seu nome. E as palmadinhas no ombro. E as promessas mirabolantes? E pegar no colo os filhos dos pobres? E a paciência? E a cordialidade? E a alegria? E a incansável atenção a todos? As palavras melífluas, o agrado. Enfim, é a teatrocracia.

A segunda parte, isto é, o segundo ato da peça estrelada pelo candidato não comporta referência porque o candidato sumiu. Ele voltará com o mesmo sorriso, a mesma túnica branca e os mesmos agrados, na outra eleição.

Até quando, até que dia, Catilina, abusarás da paciência nossa?

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