Ruth Guimarães
Ar é a doença mais misteriosa que existe. Tão misteriosa, tão terrível, tão incontrolável, que poucas providências da medicina simpática podem ser tomadas a seu respeito. O ar é enviado à medicina miraculosa: para curar essa doença, só benzimento, reza forte e a mão de Deus.
Tanto a identificação das doenças do ar como as tentativas de cura, são sobrevivências portuguesas. Assim, ar é um sinônimo português de paralisia, de congestão, de hemiplegia, de estupor, de hemorragia cerebral.
Renato de Almeida no seu excelente livro Manual da Coleta de Folclore, fala em ar de nervoso, ar de gota, de reumatismo, ar de nevralgia, ar de paralisia, e também em ares psíquicos: ar de tristeza, ar de agonia, ar de assombro. E ainda: ar preto, ar roxo, ar amarelo.
Luís da Câmara Cascudo menciona o ar determinante de enfermidades e endemias, o ar como causa mórbida, por exemplo: ar de cisco, que congestiona os olhos, ar de galinha choca, que deixa a pessoa sorumbática, de gente viva em pecado, e ar de morto excomungado. Ar preto, ar de cinzas, ar de morto, de mau-olhado, de febre, de espasmo, de susto. O ensalmo contra o bruxedo serve para retirar todos os males, e entre eles o ar de morto requerido e ar de mau vizinho.
Quando morre uma pessoa é necessário queimar o colchão onde ela passou os últimos momentos, senão outro da família vai atrás. Ar do morto, ou lá o que seja, é purificado pelo fogo.
No antigo ensalmo recolhido por Fernandes Pires de Lima, em Notas Comparativas da Medicina Popular Luso-Brasileira (Lisboa, 1940) vêm outras variantes do ar:
Ar do monte, ar de encruzilhada, ar da fonte, ar do lume, ar do sol, ar do estrume, ar da peneira, ar da bruxa feiticeira, ar diabólico, todos os maus ares.
Como se vê, há muita doença de ar, que, na linguagem do povo é qualquer paralisia súbita, seja qual for a etiologia. A mais impressionante delas é a paralisia facial. A imobilidade do rosto faz com que todos fujam de suas vítimas lastimáveis.
A medicina deu muitos passos à frente. Não se morre mais de um sem número de moléstias que apavoraram nossos avós. Mas essa doença do ar é um desacato. Aumentou o seu número, está diversificada ao extremo e não há maneira de curá-la, pelo menos ainda não se descobriu. Foram relacionadas muitas, ultimamente: ar de mensalão, ar de quebra de decoro, com várias ramificações, como seguem: ar de sair tapa no parlamento, ar de dancinha no recinto, ar de ameaçar o presidente de lhe dar uma surra. Ar de quebra indevida de sigilo. Ar de Francenildo. Ar de impunidade. E por aí vai.
Remédios? Sugiro os remédios já usados antes, não sei se muito eficientes. Para curar essas doenças só benzimento, reza brava e a mão de Deus.
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