terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Velório

Ruth Guimarães

Depois do sucesso de prenda minha, a música do sul entrou numa fase de marasmo. Ela voltará provavelmente mais tarde, trazida pelo vento das coxilhas, na sua expressão própria de brasilidade característica e inconfundível. Mais tarde. Quem por ora resiste galhardamente ao invasor estrangeiro é o nordeste. O chapéu de couro. Ritmos do nordeste. O Festival do Nordeste. Brasil que se derrama do norte para o sul. Um Brasil, muitos Brasis. Não se fala do iéiéié, que leva em si, na sua elementaridade, no próprio exagero, a virtude de ser transitório. Passa, como passaram o charleston, o shimi, o hully gully. Não vale a pena se empenhar ninguém em combater e espantar alguma coisa que se irá por si mesmo. Mais – que voltará fatalmente com outro nome. E que, em suma, deriva de duas necessidades jovens: contrariar o que está estabelecido e movimentar braços e pernas, para gastar o excesso de energia.

Pois muitas coisas vão e vêm como essas. Algumas não retornam e talvez não seja o caso de se lamentar. O medo da morte, por exemplo, parece que se acabou. Digo mal, o medo da morte, não, o medo do morto. E daí que os velórios estão ficando desenxabidos, com ar de velório mesmo, e mais nada. (E eu que sou do tempo em que morrer era festa). A morte não vinha nas rodas dos ônibus em disparada, nem despenca do céu, com os destroços; os dos aviões, era esperada, e às vezes até desejada. Mas acontecia lenta e mansa, dava tempo de chamar os parente, dava tempo de compor as mãos emaciadas, de acender vela, rezar a comprida oração do anjo Custódio, enquanto o agonizante, numa sororoca de arrepiar, se despedia a custo, estertorando. A essas alturas a casa já estava cheia. Cheia continuava, quando principiavam a arrumar os ramalhetes; e cheia quando chegavam os parentes; e cheia durante a noite, com mãos prestativas temperando água de milícia, fazendo o café, e mexendo um caldo para a obitada da Finosa, há três dias não Poe um grão de arroz na boca. As moças iam ao velório para namorar, uns para falar da vida alheia, outros para ouvir e contar anedotas. Alguns eram requisitados especialmente. Compadre Zé Piquira não pode faltar, tão alegre, coitado, é uma ajuda de Deus numa ocasião destas. E compadre se esbaldava, contando piadas e causos e provocando risadas até amanhecer. Às vezes se distribuía pinga em excesso e tudo se acabava em conflito.

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