Ruth Guimarães
Li um bocado nos jornais e fiquei inspirada a respeito de resolver ou não essa história de PAC e outros assuntos congêneres. E essa balela de transformar a pobreza em classe média? Então o que estamos vendo é o treinamento do consumidor para o desfrute do inútil. Não parece que alguém esteja tentando diminuir a pobreza. O próprio Cristo já dizia que nós teremos para sempre o pobre, o que não nos consola. A verdadeira pobreza é a falta de esclarecimento, a ausência do poder profissional e a não criatividade. Com vistas a essa avaliação, não temos governo de pobre entretanto somos um povo de pobres. Somos pobres vivendo enganados e confortavelmente em nossa pobreza em que nem acreditamos. Tão doutrinados e apáticos, estamos tão bem em nossa inércia, que nos tornamos gordos e apáticos para sempre, sem luta, sem existir, como os porcos de Lobato em sua lama.
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Imagem de Botelho Netto |
Como aprendemos a honestidade e o trabalho?
Onde? Quando?
Não temos mais as prendas caseiras. Não se toca violão de orelhada, não se faz serenata, não se brinca de roda e de “seu ratinho está em casa”, na rua, diante das casas. Quando não conseguimos emprego, não sabemos fazer nenhum serviço. Não fomos preparados. Não temos nenhum ofício, não desenvolvemos nenhuma criatividade.
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Imagem de Botelho Netto |
Se não se tem emprego, o desempregado não consegue fazer nenhum serviço. Estimulamos a competição e a imitação. Acaba-se com a iniciativa. E eis-nos enfim transformados em rebanho.
Outra consequência: queremos que o governo faça tudo. E o sonho dourado de muitos é ser funcionário do governo, pau mandado.
Mas falta energia para exigir o devido. Mas falta discernimento para distinguir o que é devido.
Ah! quem nos educará? Quem nos mostrará o caminho?
A religião perdeu a força e não mais nos dirige. Quem manda agora, quem molda agora é a televisão. Depois de tanto desmando, de tanta confusão, tanta guerra, tanto desacordo, tanto egoísmo, praticamente que diferença faz, que mande Deus ou que a Globo mande?
E acontece que o emprego já está aí. O fantasma dos pobres. E quem preparou quem para enfrentar os duros tempos de crise? Onde estão os tradicionais ofícios de subsistência? Onde se aprende a ser barbeiro, sapateiro, serralheiro, ferreiro, pedreiro, o que tira leite, o que faz a arca, o que tece a esteira, o que recorta o pilão, o que planta e colhe, o que conta história e o que toca viola e sanfona?
Quem nos ensinará a amar o trabalho? Onde estão os homens e as mulheres desempregados utilmente? Gente do ofício, do serviço e não do emprego, onde está? Onde estará?
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Imagem de Botelho Netto |
Trocamos nossos valores, essas preciosidades, por valores de mercância. Primeiro, o pensar e o conhecer não estão na moda. Segundo, o ritmo adoidado da vida não deixa tempo de pensar. Terceiro, o mundo cresce em velocidade, variações e novidades. A cada novidade acumulamos mais uma experiência de desutilidade, com o perdão para o neologismo. Ficamos escravos de mais uma necessidade que não nos serve para nada. Porque não nos faz crescer em alma e dignidade. O automóvel, os estofados, os edifícios, em que nos acrescentam? O microfone, a caixa de som, o alto-falante nos deixam surdos. Não há invento do qual o uso, o abuso, o mau uso não transformam em inimigo da humanidade. O microfone, a caixa de som, o alto-falante nos deixam surdos, foi o que acabamos de dizer. A serra elétrica, a motocicleta, o urutu, a polícia, a democracia, os chefes de governo e os políticos.
O que mais perdemos com a nossa mítica modernidade é o valor de cada um como personalidade humana, como pessoa.
A pobreza modernizada desconhece o desemprego útil.
E agora, José?
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