quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Existirão ainda Os Cavaleiros do Jaraguá?

Ruth Guimarães

Conheci um dia um quixotismo muito simpático: o dos Cavaleiros do Jaraguá. A sede dos cavaleiros, sua baronia e feudo, fica numa fazenda, na base do morro, e os seus membros percorrem a cavalo a extensa região, procurando evitar incêndios e estragos e preservando as matas. O mato, diríamos melhor, pois que o Jaraguá, por culpa exclusiva da nossa falta de consciência florestal, ficou mais pelado do que a cabeça dos cidadãos prósperos. E não é raro que algum alpinista, mal avisado e pior sucedido, role a encosta pedregosa. Às vezes há morte.

Outra Cavalaria andante era o Núcleo dos Amigos do Jaraguá. Incluída nos seus estatutos: a obrigação de zelar pela tradição, pelas matas do Jaraguá, e manter acesa a chama do entusiasmo pelas coisas nossas. O presidente do núcleo era o Sr. Olímpio Rodrigues Coelho, que coligia material para uma possível monografia de orientação histórico-social sobre o morro.

Os batalhadores do singular torneio contra a destruição do Jaraguá, e contra a escavação das encostas, dizem que são usados dois pesos e duas medidas. Qual é a razão mais poderosa para conservar a casinha de um carreiro que simplesmente assistiu ao episódio da Independência, no caminho do mar, se se destrói o Jaraguá, que tem maior valor histórico? A razão é óbvia. Nunca se soube que a estrada velha do Ipiranga, no caminho do mar, fosse formada de quartzo piritoso.

Poder-se-ia fazer uma defesa de outra ordem e essa por conta dos estrategistas. Presume-se que um exército bem provido aquartelado no cimo e no desfiladeiro, o que foi caminho de bandeiras, estará em posição inexpugnável, dominando a cidade e defendendo as estradas – a fluvial pelo Tietê, e a terrestre pelas estradas de Campinas: a velha e a via Anhangüera. Já os índios sabiam de tal valor estratégico. O pé da serra era o seu ponto de convergência. Vinham eles das matas de Piratininga, Barueri e Parnaíba, ao chamado da inúbia guerreira. Ali se travaram lutas tremendas e o Jaraguá patinhou no sangue, até que o gentio vencido recuou para o além da Araritaguaba.

Fora do interesse puramente tradicional da conservação do morro, há o interesse científico. Botânico – pela sobrevivência de espécimes raros da flora, já observados ali. Geológico – para o estudo da formação das camadas de rocha que o compõem.

Jaraguá será a baixada do Senhor, ou vale do dono, derivação de Yara-guá. Também pode ser corrupção de Yara-guá, o de dedo de deus. Já o chamaram de Dominador da baixada. Ele é belo, o soberbo senhor do planalto, coroado de nuvens, e coroado de luz como um deus. E não é unicamente uma figura de retórica a tal história de ser o Jaraguá coroado de luz. Freqüentes fenômenos meteorológicos, no cimo, têm desafiado a argúcia dos cientistas, conseguindo através dos anos permanecer indecifráveis. Um belo luminoso paira acima do Senhor do Vale e essa estranha coroação é precedida de ruídos secos, parecidos com batidas de nós dos dedos em porta de tábua velha. O que tem dado material para muito caso de assombração.

E se experimentássemos deixar os cientistas descobrirem o que é isso, antes dos exploradores acabarem com o morro?

Nenhum comentário:

Postar um comentário