quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Não é hora...

Ruth Guimarães

Decididamente não é hora de falar de mãe. Apesar de estar o noticiário recheado de tragédias, e de o assunto se prestar às lágrimas comovidas, próprias da nossa sensibilidade de brasileiros, não é hora de falar de mães.

No entanto, hoje mais do que nunca, a vida sussurra, sem descanso, sem intervalo, que chegou o momento.

A humanidade aprende e se aprende. Cada lição custa pranto, desordens, desajustamento, mas afinal as alterações ocorrem, e o mundo caminha melhor até a nova crise da civilização em mudança.

É verdade que a palavra mãe, como a palavra amor, já virou palavrão. Ainda assim indica o doce, o imensurável, o excelso mistério da vida.

E lá voltamos nós à mulher no seu envolvimento mágico abissal com o mistério. Amor e compaixão distinguem a Mãe daquela que apenas põe uma criatura no mundo como qualquer fêmea do reino animal, com seu instinto de defesa da cria. Esse instinto não se esvaiu na fêmea humana civilizada, apesar de todos os embaraços e enfraquecimentos da vida social moderna, maquinal e robotizada.

É no ar que se concentra um momento diferente, um manifestar-se de outras vidas, um querer que se manifesta como vida nova, como uma intenção de mudar, como a manifestação de um desejo vital.

Entra-se nas lojas em fins de dezembro como se entra na igreja. Comprar é uma obrigação altíssima que ninguém pode deixar de tomar como cumprimento de seu destino. E mesmo com algum espanto que numa boa parte dessa multidão que enche as lojas, tomando nota do que aparece de novidade, e rindo e cumprimentando numa alegria semostradeira, é composta de gente que nem sempre tem o pão de cada dia, com fartura Mas precisa comprar as manifestações da moda.

Papai Noel nunca saiu da moda. E mães? Estão à boca do forno assando bolos e re-inventando panetones.

O que resulta da atividade da pobre gente? O que mais se ouve? O que mais se adivinha?

Não é a primeira vez que o mundo atinge esse nível de uma pobreza total. Não é a primeira vez que os deuses armam a destruição de um mundo e começam tudo do mais remoto e pequenino fiapo de vida. Não é evidentemente uma providência gratuita da divindade que a esperança renasce na pobre humanidade e que se ouve falar de renovação, de esperança, do novo e do recomeço, que assim entendem os deuses de renovação da velha e castigada humanidade.

Estamos no limiar de um novo ano e de uma nova humanidade. Cada um procura a sua renovação, ninguém sabe o que é que o Ano Novo nos trará, mas todos buscam a renovação e a alegria de uma virgindade impossível neste velho mundo.

Falando em recomeço. Deixai que gema e chore a humanidade!

Que procurem todos a renovação de sua vida deste velho mundo.

Não, não é hora de falar de mãe. Mas de quem falaremos, então, nestes recomeços?

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