Ruth Guimarães
Primeiro li todos os jornais, mas todos, sem faltar nenhum, e depois fui ouvir o noticiário pelo rádio e minha alma ficou triste até a morte. E eis que esta é uma crônica de penitente. Penitencio-me de ter escrito um dia que o hino nacional da mocidade era o iê-iê-iê “Que vá tudo pro inferno”, de Roberto Carlos. É verdade que apontava como causa o nosso péssimo exemplo de mais velhos. Já Mário de Andrade, reconhecendo as belas qualidades da juventude, clamava: “O que fazem esses moços, que não se voltam para nós?” Pois aí estão os moços voltados contra nós, geração podre que lhes legou uma herança abominável. Geração que se lhes pôs diante, disforme e despudoradamente.
Os professores universitários foram humilhados e ofendidos e eu não disse uma palavra. Houve cassados e caçados e eu não disse uma palavra. Sou o produto covarde de uma geração de covardes. A mim me preocupam o meu pão, o meu teto, o meu sossego, a minha respeitabilidade mesquinha, o meu emprego. Não vejo que isto se vai aos pedaços, lama abaixo.
Não foram para mim as palavras claras do Cristo, as palavras candentes do Cristo, as palavras imensas do Cristo: “Nem só de pão vive o homem, mas também da graça de Deus.” Mas também do ideal, mas também do amor ao próximo, mas também da verdade, mas também do sacrifício, mas também de desprendimento, mas também de coragem, do destemor, da sabedoria.
Felizmente para nós, Tristão de Ataíde ergueu sozinho uma famosa voz intemerata. E se alguém não se lembra dele, vou contar a história de Alceu Amoroso Lima, este tal de “Tristão”:
Crítico literário, professor, pensador, líder. Sempre envolvido com a política e as questões sociais. Formou-se em Direito pela Faculdade do Rio de Janeiro e virou Tristão de Ataíde, quando crítico em O Jornal. Muito conservador, a princípio, mas o intelectual progressista lutou contra as transgressões à lei e à censura que o regime militar impôs ao Brasil. Combateu a Aliança Nacional Libertadora. Posicionou-se a favor de Franco na guerra civil espanhola. Integrou uma comissão governamental que se propunha a defender a cultura nacional contra o bolchevismo. Substituiu Afonso Pena Júnior na reitoria da Universidade do Distrito Federal, na ditadura de Getúlio Vargas. Forte opositor do regime militar, denunciou pela imprensa a repressão que se abatia sobre a liberdade de pensamento. Eleito membro da Academia Brasileira de Letras, cadeira 40. Nunca renunciou aos seus artigos na imprensa. Patrocinou cerimônias de formatura de estudantes de diversas áreas que compartilhavam da sua luta contra os regimes de caráter autoritário.
Imagem de Botelho Netto |
E esses estudantes, certos ou errados (e sinto que esta ressalva é ainda uma concessão ao meu medo: ao teto, ao emprego, ao não, ao status), esses estudantes aí estão, hoje, lutando por alguma coisa, têm ideal e coragem. Deus não vê se “as mãos estão cheias, mas se estão limpas”, e “abençoa não o que acha, mas o que procura”. Eu disse que minha alma está triste até a morte? Minto. Menti. A boa semente está guardada no coração do meu povo. Brota espontânea quando chega o tempo. Quem ensinou a esses moços essas coisas? Quem lhes deu bons exemplos? Caminham alegremente para a perdição e, afirmando, com seus atos, que aceitam morrer por algo em que acreditam. E o que é mais alto e mais belo: ainda acreditam.
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