Ruth Guimarães
O
jongo é dança em extinção, no Vale do Paraíba. Estudado já, por vários folcloristas,
e prevista a sua morte, porquanto somente dançada por adultos, o jongo
participa a um tempo da dança e da magia. A parte propriamente dançada consta
de um galeio de corpo, acompanhando o som fundo dos urucungos e dos atabaques,
do tambu e do candongueiro, todos instrumentos de origem africana, sendo o urucungo
instrumento de uma corda só, e os restantes de percussão. A espaços, os
dançadores são tomados de súbita agitação, e se inicia uma fase de umbigadas,
enquanto a roda do jongo canta monótona melopeia, sem variantes quer musicais
quer verbais. As palavras do jongo se prendem à feitiçaria. Jogado o ponto,
isto é, dada uma charada para decifrar, se não for desmanchado o ponto, ou
seja, adivinhado e respondido, os parceiros ficam presos ao jongo, sem poder
sair da roda. Por exemplo:
Na
minha casa tem goteira
Pinga
ni mim, pinga ni mim...
E
a roda inteira repete, no mesmo tom:
Pinga
ni mim, pinga ni mim...
Até
que um adivinha que se trata de trazer pinga para os jongueiros, que bebem
bastante durante o entrevero, e canta por sua vez, dando a entender que já sabe
de tudo:
Minha
zirissinhô já vai trazê...
Za
vai trazê, za vai trazê...
O
jongo dura a noite toda. O som dos instrumentos é soturno, longo, fundo, tum, Tum,
Tum. Em Silveiras dançava-se o jongo, nas festas da padroeira. Nossa Senhora Santana,
atrás do prédio da cadeia. Ultimamente só em Queluz, na serra, ainda se dançava
jongo, mas não se pode levar os jongueiros para dançarem fora do seu ambiente. O
jongo tem que ser à noite, tem que ser no local do costume, tem que ser em
louvor de algum santo. Os jongueiros são todos pretos e velhos. Como já disse,
já não existe.
ZÉ
BENEDITO É O ÚLTIMO JONGUEIRO
Perguntado
por que não dançava mais o jongo, respondeu:
-
E o parceiro? Como posso dançar sem parceiro? Os do meu tempo já se foram.
Martim, Luís Florêncio, Miliana, todos. Era uma turma boa, a gente passava a
noite, e todos eles sabiam amarrar qualquer um com os pontos.
-
A pessoa ficava amarrada mesmo? Não podia sair nem que quisesse?
-
Só sabendo desamarrar o ponto. Senão ficava lá e não havia quem o livrasse. Foi
uma vez...
E
ele conta o caso acontecido de um jongueiro amarrado à roda de jongo, e ficou
até pedir misericórdia, e o mestre o livrou, por fim. José Benedito dos Santos
tem mais de oitenta anos, foi carreiro, no bom tempo, depois funcionário da
Central do Brasil.
-
O senhor não tem saudade...
-
Ah! – ele interrompe – Nem me fale em saudade. Esse tempo não volta mais.
Zé Benedito dos Santos, brasileiro, de antiga profissão carreiro, de diversão jongueiro, último de sua estirpe, em nosso Vale. |
Valeparaibano,
11 de janeiro de 1978.
Nenhum comentário:
Postar um comentário