Ruth Guimarães
- Por quanto tempo se colhe cacau aqui?
- O temporão é em maio. O miúdo em junho e julho. O de tempo em setembro. O tardio vai até novembro. Ai é a época do paradeiro. Metade de nós vai embora, caçar serviço em outras paragens. Que o que sobra é pouco, só podar e roçar.
Contam os antigos que, quando Deus fez o cacaueiro, botou junto dele dois bichos, para cacau não se acabar mais nunca: macaco jupará para replantio (pois o macaquinho semeia por toda a banda nesse chão molhado e gordo), e a formiga pixixica, para comer praga que ataca as folhas. Além disso, macaco jupará é carne de caça - macia, de primeira. E isto dizendo, o homem se curva para a larga folha do cacaueiro, palminérvia, lobadas de bordos repicados, como largas mãos abertas, a nervura traçando desenhos complicados no limbo carnudo.
Lá está a formiguinha pixixica, a que Deus criou para proteger o cacau. Ruiva, descambando para o fulvo, quase dourada ao sol, recobrindo grandes áreas da folha.
- De que cor é o macaco jupará?
- Amarelo fosco, para o claro.
Ele surpreende meu olhar para as árvores carregadas:
- Tudo aqui é amarelo. Até as cobras. Cobra que dá mais é a papa-pinto, amarelona. A pica-jaca também é amarela.
- Muita gente mordida? - Pois antão?
- Os fazendeiros têm soro, de prontidão, para as emergências?
- Soro? Pra falar a verdade, não sei. Soro de pobre é reza. Pra afastar a cobra a gente chama são Bento; numa reza forte, que serve também para fechar o corpo:
"Valha-me a preciosa cruz do Senhor são Bento, e as preciosas letras que se encerram dentro de poder e encerramento. Eu (fulano) sempre livre hei de ser do fogo, ferro, de ares, de feitiço, de peste de bichos peçonhentos, pois tenho para minha defesa Jesus Cristo e o Senhor são Bento. Na arca de Nóe me meto, com a chave de são Pedro me fecho, com as três pessoas da Santíssima Trindade me acompanho, Padre, Filho, Espírito Santo, amém".
- Bom, para rezar quando se está no mato, ou trazer um bentinho, com a reza escrita num papel dobrado, pendurado ao pescoço.
- Isso é antes, - digo - E depois?
- Depois do que? - pergunta o caboclo, com certo espanto.
- Quando a cobra chega a morder, como é que se faz?
- Pra mordida de cobra hai muitas rezas poderosas. Esta e
urna:
"Estava o Senhor para fazer uma longa viagem. Disse: José, vamos. Ai, Senhor, não posso. Estou mordido de cobra. Disse o Senhor três vezes: José vamos! José vamos! que assim como eu fiquei bom destas cinco chagas, tu sararás dessa mordida.”
- Enquanto um reza, outro corta a ferida em cruz com uma faca afiada, e chupa o sangue, depois de enxaguara boca com pinga e fumo e de cuspir três vezes.
- Mas não são só essas cobras de que falei que existem. Tem a coral, bonita como uma fita e venenosa como o diabo. A cascavel, cobra do cão. A surucucu, chamada apaga-fogo.
- Venenosa?
- Nossa! Diz-que a cascavel e a surucucu estavam conversando um dia no cacaual, e a cascavel falava se gloriando: "Quando eu ferro o dente num cara, ele pode fazer o testamento, porque dessa não escapa. E a outra, cheia de soberba: Pois eu, minha irmã, se acontece de morder o bicho-homem, tenho que sair correndo do lugar, para o defunto não cair em riba de mim".
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