Ruth Guimarães
É ditado corrente, entre os antigos, que praga de mãe tem muita força. Para ilustrar esta lenda valparaibana, recontada pela velha Nhá Ica, mulher meio nômade, sem eira nem beira, que, como os rapsodos, ora está aqui ora ali, levando a mensagem anciã dessas histórias populares:
Uma mulher tinha um filho e mandou-o apanhar limão. Como o menino se demorasse, irritou-se e gritou:
– Não sei por que o diabo não te leva de uma vez.
Então a pedra onde o garoto havia trepado para alcançar os limões, abriu-se e ele sumiu. A pedra ainda pode ser vista nos arredores de Guaratinguetá, e guarda, como sinal do sucedido, a marca de um pé.
Leite de Vasconcelos cita a pegada de São Gonçalo, no Penedo da Moura, junto de Felgueira, referente à moura que desapareceu entrando na rocha.
Outra mulher (ainda história da Nhá Ica), como o filho a estivesse aborrecendo, mandou-o ao diabo. Nessa hora, veio um redemoinho e carregou o menino para o alto de uma figueira-do-diabo. Diz-se que não havia cristão que pudesse chegar ao pé da árvore. Era um vento que Deus dava. Foi preciso vir a madrinha da criança e chamá-la em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, tendo estendida nos braços a toalha com que a tinha levado à pia batismal. O afilhado caiu-lhe no colo, o vento parou e toda a gente sentiu um cheiro forte de enxofre.
Uma velha semi-alfabetizada, em Cachoeira, Estado de São Paulo, contou um caso semelhante, este acontecido em Baependi:
Era uma vez certa mulher chamada Aninha. Morava perto de uma cabiúna alta. Um dia estava varrendo a cozinha e a filhinha de cinco anos, com uma vassourinha de capim, varria também, em sentido contrário, atrapalhando o serviço.
– Fique quieta, menina!
A menina não se incomodava. Irritada, a mulher falou:
– Não sei por que o diabo não carrega essa menina.
Na mesma hora, passou um redemoinho e a menina sumiu. A mãe, assustada, correu ao quintal e ainda viu quando ela mergulhou nas folhas da cabiúna. Ficou lá em cima. A mulher foi depressa chamar o marido na roça. Veio gente e tentava trepar na árvore. Assim que ia trepar, dava um vento forte e ninguém passava do meio do tronco. Então foram chamar o padre. O padre veio e mandou que fossem buscar a madrinha da criança e fê-la segurar a toalha com que a levou à pia do batismo, bem esticada nos braços. Depois jogou água benta na árvore e "reclamou o batismo". Aí, uma coisa avisou lá de cima:
– Ela vai, mas vai marcada.
E jogou a menina. Ela caiu na toalha, e quando foram ver, estava com um olho furado.
Tal qual a lenda corrente em Portugal, a respeito das sereias:
Certa moça gostava muito de nadar. A mãe ralhava, e, desobedecida, gritou um dia:
– Permita Deus que te transformes em peixe!
No mesmo instante, a moça se converteu em peixe da cintura até os pés, e nunca mais saiu do mar.
No folclore espanhol é conhecida a mesma lenda.
A mãe diz:
– Ay, hija mia, quiera Dios que te hagas pez!
(Constantino Cabal. Mitología Ibérica).
E foi uma vez, em certa noite de chuva e de vento, que Nica do Zé Tropeiro se aborreceu com o filho. Trabalhar, ele trabalhava, como guarda-freio da Central do Brasil, viajando por cima de carros, carregando e descarregando trens nas estações; mas levava uma vida destrambelhada, ninguém em casa lhe via a cor do dinheiro, que esbanjava prodigamente pelas mulheres da Margarida Capenga, no chamado "alto da igreja", e se a mãe viúva lhe chamava a atenção, eram os resmungos, os xingos brutais, ou então o sumiço mais de semana, homiziado nas casas das mulheres de má vida. Nessa noite, a discussão se azedara. Nica principiou se queixando, chorou, exaltou-se e por fim rogou praga. Que ele "havera" de pagar pelo que estava fazendo. Que o atraso acompanha filho sem coração. Que...
– Cala a boca, mãe! A senhora não me bota praga, que eu trabalho num serviço perigoso – bradou o filho atemorizado.
– Pois se praga de mãe cai, eu quero ver. Prefiro juntar os seus pedaços, na linha da estrada de ferro, melhor do que ver você nessa vida...
O filho saiu batendo a porta, e a escuridão se fechou atrás dele. Alta madrugada, veio um homem embaraçadíssimo trazer a notícia. Pois é, dona. Deus quis assim. A senhora já soube, estou vendo. Pois é. Está no necrotério. Nem não convém a senhora ir ver. Pois foi. Ficou picado, sim senhora. É, dona. Tenha coragem. É sim. Ajuntamos num saco de estopa. Deus pode mais. Sofrer não sofreu. Foi num repente.
O homem saiu da casa meio tonto, e comentou com os companheiros:
– Pra mim, o sofrimento trespassou a coitada. Não chorou. Queria saber se o rapaz ficou picado, e falou assim pra mim: "Eu queria ver se praga de mãe caía." Depois caiu para trás. A mulherada está lá cuidando dela.
Outro moço, nem feio nem bonito, nem alto nem baixo, nem rico nem pobre, um moço igual aos outros, vá, sem nada de mais pintado, filho de família boa, se apaixonou por uma mocinha muito pobre, filha de uma tal de Carlotinha, que morava na subida do cemitério. Moça com quem a mãe dele logo se embirrou, e como não queria dizer que era por causa da pobreza da moça, vivia dizendo que ela não se portava bem.
– Não diga uma coisa dessas, mamãe, a Conceição é tão direita como a senhora.
– Pois eu prefiro ver você morto...
– Mas a senhora não quer a minha felicidade?
– Quero.
– Então...?
– Daqui de casa você sai para enterrar, mas não para casar com ela.
Deu o moço de entisicar, de entristecer, de amarelar, até que no dia marcado para o casamento, lá saiu o enterro dele, com a mãe dando gritos de todo o tamanho atrás, esquecida das pragas que tinha rogado.
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