Ruth Guimarães
Estava o carpinteiro José em sua tenda e cortava madeira com golpes ritmados da grande faca amolada. Suava em bicas. Muito era o calor, o ar tinha secura e transparência. O carpinteiro sentou-se um momento diante da tenda. E como o mormaço era uma coberta fofa, o santo homem curvou a cabeça e adormeceu. Do sono se aproveitou o Demônio, tomou do facão de José e nele cortou com um estilete uma porção de dentes, de ponta a ponta da lâmina, somente de um lado. Feito isto, o Tentador deu uma risadinha escarninha e voou para o inferno. O desagradável som do riso acordou o dorminhoco. Foi para dentro continuar um serviço de marcenaria, e deparou com a faca dentada.
- Ora essa! como foi isso acontecer?
Não tinha outra faca e faltava-lhe dinheiro para nova aquisição. Decidiu trabalhar com a ferramenta assim mesmo. Primeiro experimentou bater com o facão. Nada feito. Então fez um movimento de fricção, para diante e para trás e, beleza! a faca que exigia um grande esforço antes, para entrar na madeira, agora ia com mais facilidade abrindo um sulco que progredia e que, ao que parecia, talhava a peça de madeira em fatias.
- Isso nunca me passou pela cabeça – exclamou, enquanto na sombra, danado de raiva, o Trevoso maquinava outro jeito de lhe estragar o trabalho.
No outro dia, sentou-se o trabalhador à entrada da tenda, num banco de pedra. Recostou-se para o descanso, depois do almoço. Veio-lhe a sonolência e ele dormiu uma vez mais, o que o Malvado aproveitou, como se verá.
São José sonhou muito. Sonhou que alguém estava bulindo nas ferramentas. Sonhou que queria se levantar para impedir que o Mal Intencionado mexesse no que não lhe pertencia, mas curiosamente, não conseguia se mover. Foi só ao ouvir a gargalhada que saiu do torpor e correu para dentro. O facão estava lá sobre a bancada de carpinteiro e o santo o agarrou aliviado.
Mas o que era aquilo? O que tinha acontecido?
Os dentes, aparecidos antes de maneira misteriosa, estavam dispostos de uma outra maneira, um sim e um outro entortados pra cá, um sim e um não entortados pra lá.
- Agora sim, lá se vai o meu trabalho por falta de ferramenta – resmungou São José. – Passou a lâmina dentada e travada na madeira e ela cortou muito melhor do que antes.
Foi assim que surgiu o serrote.
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