sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Os grãos de milho

Ruth Guimarães

Era uma vez um homem muito devoto. Cada vez que ia à missa, e isso acontecia regularmente sete vezes por semana, punha um grão de milho numa garrafa. No porão de sua casa se alinhavam muitas garrafas cheias de grãos.

Certo dia ia para a igreja quando viu que um burro atrelado aos varais de uma carroça carregada de lenha tinha se atolado no barro e, por mais esforços que fizesse, e por mais que o carroceiro o chicoteasse, não conseguia sair do lugar. Já estava na hora da missa, porém ele, com pena do animal, ajudou o carroceiro a empurrar o pesado veículo. Como era forte, com seu ajutório o burro pôde enfim sair do atoleiro. O homem chegou à igreja afobado e a missa já estava começada. Nesse dia, pegou um grãozinho de milho, quebrou-o ao meio e colocou uma das metades na garrafa . Durante anos o homem continuou a viver assim. Como é destino de todos, o dia de sua morte chegou. Ele fechou os olhos serenamente, certo de merecer o céu.

- Assisti tantas missas – disse ele, pensando na enorme fileira de garrafas cheias de grãos de milho – que o meu lugar está garantido no paraíso.

Morreu. Os parentes ainda estavam chorando no quarto e sua alma já deslizava serena e feliz pelos luminosos caminhos do infinito. Chegou à porta do céu e bateu. São Pedro veio abrir e convidou:

- Entre, filho.

Alisava bondosamente as grandes barbas brancas e fazia tilintarem nas mãos trêmulas as chaves do paraíso. Virou-se para dentro e chamou:

- Miguel, traga a balança. Chegou uma alma da terra.

O arcanjo São Miguel surgiu, de armadura brilhante, trazendo numa das mãos uma balança e na outra a sua espada de chamas. Ele e São Pedro puseram-se a pesar as ações do homem. Punham num dos pratos da balança as boas ações e no outro as más. O homem foi olhando aquilo e se assombrando. Quando chegou a hora de avaliar as missas, ele foi vendo as que eram rejeitadas: por falta de atenção durante a cerimônia, as que ele tinha assistido por hábito, as que assistiu exclusivamente por coisas diferentes, as que assistiu enfim apenas para dizer que era muito bom católico. No fim sobrou somente,para pesar no prato das boas ações, meia missa. De milhares de grãos de milho sobrou o humilde meio grão que ele, com tanto desprezo tinha jogado dentro de uma das garrafas.

E nessa hora ele aprendeu, tarde demais, que todas as coisas têm dois valores: um verdadeiro e outro que os homens vaidosamente lhes emprestam.

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