quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Macaco Serafim

Ruth Guimarães

Ilustração de Cristine Borowski
Macaco Serafim era tão arteiro e tão danado, que a mamãe-macaca não agüentou mais. Fez um virado de feijão, pois não lhe sofria o coração que o filho fosse passar fome, andando pelo mundo, e disse:

- Suma daqui de casa, que pra mim chega. Vá cuidar de sua vida. Você é moço. Vá trabalhar.

- Mas, mamãe...

- Arranje-se.

Macaco Serafim, no começo muito triste, pegou o virado e saiu. Mas estava muito bonito o dia de sol quente, ele em liberdade, sem a constante vigilância da mãe, sem a obrigação de trabalhar, e deu de pular pelas árvores, contentíssimo da vida. O embrulho do virado o incomodou, e ele, zás, achatou o virado contra um muro por onde pas­sava. Andou e andou, pulou bastante, brincou bastante e, lá pelas tantas, sentiu fome.

- E eu, que fui deixar o virado naquele muro.

Voltou.

No muro, havia somente a gordurosa mancha da comida. Virado não havia. Tinham-no comido as aves e os bichos.

- Muro, me dá meu virado - reclamou o macaco Serafim, com im­pertinência, e explicou: - Virado, que minha mãe me deu.

- Ora, macaco. Vá amolar outro - disse o muro. - Ora, já se viu macaco mais petulante? Então, você joga o seu virado aqui, me suja todo, e, depois que os bichos e as aves já se banquetearam com ele, quer que eu o devolva. Ele foi dado para guardar? Me diga...

Mas de nada adiantou a fala do muro. Macaco Serafim tanto amo­lou, tanto amolou, que o aborrecido muro resolveu:

- Pegue esse pedaço de sabão que está aí, e dê o fora, antes que eu perca a paciência.

Mais que depressa, o macaco pegou o pedaço de sabão e se foi. Mas podia ele comer sabão? Andou pelo mato, devorou bananas e jabuti­cabas, grumixamas e cabeludas, estufou bem a pança e prosseguiu a ca­minhada. Num vale muito verde, num tranqüilo regato, viu uma lava­deira lavando roupa.

- Quer um pedaço de sabão, moça?

- Quero.

E lá se foi o macaco aos pulos e aos guinchos. Ia longe, e pensou:

- Por que fui dar o sabão àquela moça? Bem que poderia trocá-lo por uma banana, e com isso consolaria o estômago. Já estou com fome outra vez, e aquela ladra gastando o meu sabão!

Voltou.

- Moça, me dá meu sabão, sabão que o muro me deu, muro comeu meu virado, virado que minha mãe me deu.

- Você é doido, macaco. O sabão você me deu porque quis, e eu já gastei.

- Sua ladra! - xingou o macaco. Passou pela roupa estendida, pegou um saco lavado e correu com ele para fora do alcance da lava­deira indignada.

Macaco Serafim andou, andou, e encontrou um padeiro.

- Quer este saco para você, padeiro?

- Fará um bom arranjo. Muito obrigado - disse o padeiro. E o macaco lá se foi de mãos abanando, muito satisfeito.

- Ora - disse ele mais adiante. - Por que não pedi um pão em troca do saco?

Voltou.

- Padeiro, me dá meu saco, saco que a lavadeira me deu, lava­deira gastou meu sabão, sabão que o muro me deu, muro comeu meu vi­rado, virado que minha mãe me deu.

- Você não me deu o saco, macaco doido?

- Dei, não. Dei em troca de um pão.

- Não seja por isso. Pegue lá o pão, e suma, Senão eu te es­cangalho de pauladas.

Macaco Serafim agarrou o pão e correu. Preparava-se para comê-lo, quando passou por uma escola, com uma porção de meninazinhas brincando de roda no recreio e cantando bonitas cançõezinhas. A pro­fessora, de um canto do pátio, observava as meninas, calada.

- Moça - chamou o macaco. - Tome um pão, para repartir entre as meninas.

- Muito obrigada, Senhor Macaco.

Ele fez um cumprimento e se afastou.

Não tinha ido longe, quando se lembrou que dera o pão sem pe­dir nada em troca.

- Professora, me dê meu pão, pão que o padeiro me deu, padeiro estragou meu saco, saco que a lavadeira me deu, lavadeira gastou meu sabão, sabão que o muro me deu, muro comeu meu virado, virado que minha mãe me deu.

- Pão não há mais, macaco doido. Se quiseres levar uma meni­ninha para brincar, eu te dou a mais sapeca.

Macaco Serafim ficou louco de tão alegre. Pegou a menina pela mão e foram os dois pulando, pulando, sem se cansar. Bem longe, en­contraram um pobre cego, tateando com sua bengala, pela estrada.

- Onde está seu guia, meu velho?

- Não tenho.

Macaco Serafim, se tinha má cabeça, tinha bom coração.

- Leve esta menina. Será um bom guia.

O cego agradeceu e tornou a agradecer, muito feliz com o ines­perado presente.

E o macaco Serafim foi embora, pulando.

- Ora - pensou ele dali a pouco. - Eu podia ter pedido di­nheiro ao cego. Ou aquela viola. Bem que me agradaria uma viola.

Voltou.

- Cego, me dê a menina, menina que a professora me deu, pro­fessora comeu meu pão, pão que o padeiro me deu, padeiro estragou meu saco, saco que a lavadeira me deu, lavadeira gastou meu sabão, sabão que o muro me deu, muro comeu meu virado, virado que minha mãe me deu.

O cego começou a chorar.

- Não precisa chorar, pobre cego - gaguejava o macaco. - Fique com a menina. Para que quero eu uma menina? Só me dará trabalho. Sos­segue. Não quero menina nenhuma.

Muito contente, o cego deu-lhe a viola.

Então, foi a vez do macaco delirar de contentamento. Correu com a viola, deu cabriolas pelo capim, saltos mortais, balançou-se pelas ramadas, ora seguro com uma das mãos, ora enroscando-se pelo rabo. Depois, menos excitado, escolheu um galho bem alto de um copado ingazeiro, ajeitou-se e começou a dedilhar a viola e cantar:

Do virado eu fiz um sabão
dim dim dão
do sabão eu fiz um saco
do saco eu fiz um pão
dim dim dão
do pão eu fiz uma menina
da menina eu fiz uma viola
ding ding ding
que eu vou pra Angola
ding ding ding
que eu vou pra Angola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário