quinta-feira, 22 de agosto de 2013

As quatro forças da alma

Ruth Guimarães

A primeira lei do universo é que, se o homem quer se sentir feliz, realizado (e essa busca é primordial da espécie humana) o imperativo categórico é o crescimento interior. A criatura terá que procurar, e encontrar, a sua plenitude. Quatro forças o impulsionam nessa procura que é de toda uma vida. Amor, ódio, um construtivo, e outro destrutivo, a consciência, a necessidade de dominar. Esta última força é a mais difícil, pois está na base de toda a estrutura, e tem que começar cada um por dominar a si mesmo.

O sentimento do Amor é belo e é a mais alta das formas de conhecimento. Tem algo de divinatório. Observe-se como as mães procedem, como conhecem os filhos, como adivinham.

Entretanto o próprio amor pode ser desvirtuado. Há pessoas, por exemplo, que somente podem amar a si mesmas. Chegam a amar a si próprias amando a outrem, como é o caso dos ciumentos. E há aqueles que somente a si se vêem, como acontece com os narcisistas, apaixonados por sua imagem na superfície das águas. E há os hipocondríacos, exploradores de cada centímetro do corpo, esquadrinhando cada sensação, cada órgão, sentindo doenças inexistentes, e gastando tempo com tratamentos médicos inúteis, ou em falar sobre doenças intermináveis. E há os que se fecham nas dores sem consolo, sentados de costas para o futuro e de frente para o passado, lá mesmo onde se perderam algum dia. Esses desistiram de alcançar o que deve ser prioridade para todos: a conquista do nosso espaço.

Duas coisas podemos fazer: vencer os sentimentos agressivos ou empregá-los triunfantemente, numa bela causa.

A agressão deve servir para defender a prole, a honra, a tristeza, os agravos, os ataques de uma sociedade mesquinha, a injustiça. Para lutar contra o mal. Para elevar a Pátria. Para pugnar pela Família, como fazia o homem das cavernas com a sua clava. Para transformar uma cidade viciosa num mundo melhor.

Para plantar é preciso arrotear a terra. Para construir é mister cavar fundos alicerces. Para viver é necessário lutar. O próprio Jesus disse: “Eu não vim trazer a paz; vim trazer a espada.” De que Paz falava? Evidentemente não da serenidade que é a paz interior, mas da contínua guerra que é a existência.

O ódio é a exacerbação dos sentimentos de raiva, de rancor, de hostilidade, das frustrações, da vergonha, do remorso. O odiento abdica de sua qualidade de homo sapiens, e da sublime condição de filho de Deus vivo, para refocilar na lama das vergonhosas tendências.

A sabedoria consiste em procurar o equilíbrio entre Amor e Ódio, que ambos fazem parte da nossa alma. Nem sempre seremos anjos, nem sempre demônios. Usemos pois a agressividade para as boas causas, contra o que há no mundo de pequeno e de mesquinho.

foto de Botelho Netto
Ser pasto de ódio, sempre, cria tensões que desgastam a alma e o corpo. Alguns dirigem a sede de destruição contra o próximo e ei-lo clamando contra Deus e o mundo, atacando com língua viperina os vizinhos e conhecidos. Ou afivelam uma carrancuda máscara que afugenta de si qualquer que se aproxime. Ou são baderneiros e briguentos. Entretanto, parece que o pior caso de agressão é o menosprezo. Os que desprezam os semelhantes, em vez de canalizar toda a energia e ódio para o mal e suas horríveis conseqüências, preferem transferir o desprezo e a irritação contra qualquer que esteja em grau abaixo do seu patamar, e que preferivelmente não possa se defender, nem reagir: a esposa, os filhos, os subordinados, caixas, garçons, serventes, faxineiros, crianças, e pobreza em geral. Desse mecanismo surge, escamoteado, o bode expiatório, aquele que paga pelos outros, porque não tem prestígio e não tem quem o defenda, falta-lhe nome, projeção, apadrinhamento, um sistema equânime. Daí se parte também para a exploração das crianças que trabalham, dos abandonados, dos rejeitados, dos excluídos, dos ignorantes, dos párias. E daí como uma flor venenosa brota o preconceito racial, resultado da agressividade e do desprezo.

A vida é antitética. Tudo está no binômio dos contrários – ser e não ser. Shakespeare colocou esta filosofia, exprimindo-se pela boca de Hamlet, príncipe da Dinamarca. To be or not to be, that is the question.

Pois esta é a questão. Este é o dilema. Ser ou não ser. Neste compasso binário levamos a vida. O dia e a noite. A luz e a sombra. A maré alta e a maré baixa. Sístole e diástole. A cópula. Altos e baixos da vida. E a imensidão abrangente que envolve tudo o que existe, o bem e o mal, que os gregos personalizaram nas figuras míticas de Eros e Anteros.

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