quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Ode à minha terra

Ruth Guimarães

Sou nascida em Cachoeira Paulista, estado de São Paulo, no Vale do Paraíba. Mas sempre considerei São Paulo o meu lugar. 

Minha terra de eterna primavera de onde não partem as andorinhas, e onde os sanhaços fazem túneis nos mamões e nas goiabas. As abelhas zumbem, traçando riscos de ouro no ar trêmulo e cheiram a mel quente de sol, bebida dos deuses, a fruta fermentando, perfume perturbador e violento, que embebeda e faz o pensamento derivar sem rumo, por desvios e curvas. Dá preguiça, gente. Uma preguiça coçada de bicho sem responsabilidade, que vive para agradar o corpo. 

O chão é quente, escuro, dele sobe um bafo calorento. O Paraíba passa pelo meio da cidade, é uma prata no frio, óleo grosso, na chuva. 

Menino de beira-rio, por qualquer dinheirinho à toa, atravessa a nado aqueles cento e poucos metros, com alguma traiçoeira correnteza pelo meio, para lá e para cá. 

Menina sonha não sei o que, tem cheiro de fruta, tem pelo de fruta, vida agredindo por todos os lados. Namora no jardim, nas tardes e nas noites de domingo, fruta se arredondando depressa e sazonando. Casa com quem? 

Porco de casa é que come a fruta mais doce. Está por perto quando bate o vento e ela cai de madura, ainda recendendo a flor e a mel e ainda quente de sol. Minha terra tem feitiço. É muito brasileira, muito gostosa, muito aconchegante e muito quente. Na relva, dá gosto encostar as faces, que às vezes ardem como as dos febrentos. As manhãs são claras e tão azuis! e as noites límpidas, longas, de uma tepidez acariciante. Minha terra é um perigo! As histórias que ouvi por lá e que vi acontecerem, e outras que vou sabendo e adivinhando devagar! Mas eu prefiro este São Paulo áspero, de frio honesto e de um cinzento que não engana.

E aqui fico nesta cidade sem complacências e sem preguiça. Sem pensamentos turvos e sem doçura. Sem rios onde dançam relâmpagos. Sem manga madura onde se enlambuzam pássaros e abelhas. Sem redes sob as árvores. Sem promessas. Sem lassidão. Sem calores. Sem morbidez. Só cansaço.

foto de Botelho Netto
Porque eu amo São Paulo de um amor desesperado, masoquista. Amo de amor raivoso. Amo de amor corintiano. As chaminés se erguem jogando fumaça para o céu. O asfalto amolece, repelente, malcheiroso. Também cheiram mal os corpos suados nos trens cheios. Que busco eu, nas ruas atravancadas, no ar onde não há perfume nem transparência? E nos rostos ansiosos, de onde vai desertando aos poucos a animação e a esperança? Onde está a beleza? Ah! esta áspera terra! Esta minha São Paulo! Tenho mesmo que amá-la sem pretexto.

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