Ruth Guimarães
Sou nascida em Cachoeira Paulista, estado de São Paulo, no Vale do Paraíba. Mas sempre considerei São Paulo o meu lugar.
Minha terra de eterna primavera de onde não partem as andorinhas, e onde os sanhaços fazem túneis nos mamões e nas goiabas. As abelhas zumbem, traçando riscos de ouro no ar trêmulo e cheiram a mel quente de sol, bebida dos deuses, a fruta fermentando, perfume perturbador e violento, que embebeda e faz o pensamento derivar sem rumo, por desvios e curvas. Dá preguiça, gente. Uma preguiça coçada de bicho sem responsabilidade, que vive para agradar o corpo.
O chão é quente, escuro, dele sobe um bafo calorento. O Paraíba passa pelo meio da cidade, é uma prata no frio, óleo grosso, na chuva.
Menino de beira-rio, por qualquer dinheirinho à toa, atravessa a nado aqueles cento e poucos metros, com alguma traiçoeira correnteza pelo meio, para lá e para cá.
Menina sonha não sei o que, tem cheiro de fruta, tem pelo de fruta, vida agredindo por todos os lados. Namora no jardim, nas tardes e nas noites de domingo, fruta se arredondando depressa e sazonando. Casa com quem?
Porco de casa é que come a fruta mais doce. Está por perto quando bate o vento e ela cai de madura, ainda recendendo a flor e a mel e ainda quente de sol. Minha terra tem feitiço. É muito brasileira, muito gostosa, muito aconchegante e muito quente. Na relva, dá gosto encostar as faces, que às vezes ardem como as dos febrentos. As manhãs são claras e tão azuis! e as noites límpidas, longas, de uma tepidez acariciante. Minha terra é um perigo! As histórias que ouvi por lá e que vi acontecerem, e outras que vou sabendo e adivinhando devagar! Mas eu prefiro este São Paulo áspero, de frio honesto e de um cinzento que não engana.
E aqui fico nesta cidade sem complacências e sem preguiça. Sem pensamentos turvos e sem doçura. Sem rios onde dançam relâmpagos. Sem manga madura onde se enlambuzam pássaros e abelhas. Sem redes sob as árvores. Sem promessas. Sem lassidão. Sem calores. Sem morbidez. Só cansaço.
foto de Botelho Netto |
Porque eu amo São Paulo de um amor desesperado, masoquista. Amo de amor raivoso. Amo de amor corintiano. As chaminés se erguem jogando fumaça para o céu. O asfalto amolece, repelente, malcheiroso. Também cheiram mal os corpos suados nos trens cheios. Que busco eu, nas ruas atravancadas, no ar onde não há perfume nem transparência? E nos rostos ansiosos, de onde vai desertando aos poucos a animação e a esperança? Onde está a beleza? Ah! esta áspera terra! Esta minha São Paulo! Tenho mesmo que amá-la sem pretexto.
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