quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Entrevista

Ruth Guimarães

Em primeiro lugar, um sítio cheio de árvores. Jabuticabeiras, fruta-de-conde e goiabeiras de folhas ásperas, que amarelecem no outono, e em lugar de portão uma porteira que range. Lá aparece assombração em noite de lua e diz-que tem ouro escondido no pé do moirão, onde nunca ninguém achou, nem acha não. Num renque de pinhão bravo, pulam os serelepes. Mamoeiros (que bem-te-vi gosta de mamão. E fica dentro da fruta, parece que está em casa, sim senhor). Em velhos tocos do fundo do terreiro, tiziu dá cambalhotas. A grama do coradouro, verde o ano inteirinho. E o poejo no chão, cheiroso, tapete, alfombra macia, macia, macia. A gente finca dois bambus, um pra lá outro pra cá, futebol, e bola pode ser de meia. Lá atrás do bambual o riozinho. Claro, cheio de corridinhas, todo estrelado de cintilações. O Príncipe Escamado, o mais príncipe de quantos já existiram, mora ali no fundo, nesse Reino de Águas Claras. A terra é quente e seca. O sol vem cedo sobre as copas de veludo. 

Escurecer, escurece.

Se a noite é linda e a brisa sopra de leve, a criançada corre caçando vagalumes. Brinca de pique-sem-fim, e de acusado, enquanto um moço, na viola, canta com voz de apaixonado, tal qual em muito livro bobo. Noite estrelada. Caminho de Santiago, de estrelinha miúda esparramada em algum chão que o céu tem. E as estrelas maiores são verdes, azuis, vermelhas e amarelas. Menos uma que quando se troca de bem com seu bem é branca, enorme, extravagante como uma chama.

- No seu mundo não chove?

- Chove. As noites são frias – as noites de chuva. Venta. O arvoredo sussurra. A preta cozinheira conta historias. A do Zezinho da Mariquinha. E aquela da Branca Flor. E a da princesa sapa que cantava em noites de lua e tecia rendas de praia. E de quando São Pedro andava no mundo com Jesus. Os tições estalam e brigam no fogão.


Ah! fogo de lenha, pois então?! E as chamas sobem alto, azuis e amarelas, e a cada estalo o ar se enche de estrelinhas. Cheiro bom de café... Chove, mas a casa é acolhedora, quentinha, as historias em balam os sonhos, e não sei quem frita bolinhos de batata na cozinha toda trêmula de labaredas e chiante das frituras. Diz-que tem até uns meninos para comer os bolinhos e para ouvir as historias.

- Isso existe?

- Eu sei? Se existe, existe onde? Se existe, existe para quê? Se existiu, por que existiu?

Se não existem mais (existiram?) as noites de chuva, a contadora de historias, os tições no fogão, o cheiro de café, a casa acolhedora e quentinha, os meninos comendo bolinhos e ouvindo historias... (existirão?) 

Mas diz-que Deus não dá duas vezes, e o velho Adão, para exemplo, foi expulso do Éden uma vez só, para sempre.

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