quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Do outro lado da montanha

Ruth Guimarães

Fui convidada a comentar o livro da Maria do Carmo Silva Soares, “Do Outro Lado da Montanha”. Li, com carinho, porque quem escreve com a alma merece ser lido com o coração. Sobre a autora, eu digo que, para ser poeta, até nem é tão necessário saber escrever, mas principalmente saber sentir. É ter, nos ouvidos e na alma, o ritmo insistente de um trenzinho que corre entre montanhas. E é assim que essa moça Maria do Carmo nos dá uma obra-prima de ritmo e coração, com aquela poesia chamada Trem Mineiro, que vem acontecendo à medida que lemos, dentro da nossa memória, nas batidas do nosso coração, no amor que palpita em cada mineiro expatriado, em cada um que emigra, e continua guardando, dentro do peito, em sinceridade e saudade. 

Faz bem ler, enquanto ouvimos com a alma, o trem que passa comprido, soltando fumaça, as longas baforadas enroladas em novelos cinza escuro, pela longa linha gradeada de dormentes. Não é a pura ritmia do café-com-pão, café-com-pão café-com-pão, bolacha-não. Mas é a repetição de uma saudade que dói.

Poesia não é palavra, mas alma e paixão. É som que nos persegue na lembrança. 

Maria do Carmo faz uma longa viagem de trem mineiro, tão bela, livre, autêntica e expressiva, que nos obriga a segui-la, mineiros que somos, com todos os sentidos atingidos. E, então, ouvimos o sino da estação que anuncia a chegada do trenzinho. Ouvimos o apito da locomotiva negra, resfolegante. Dançamos ao calor das máquinas à lenha, o vermelhão das labaredas a esquentar ainda mais o dia claro. 

E o povo? Num burburinho, e mais o pregão dos meninos que vendem pasteis e os que apregoam: “A laranja tangerina, óia a fru-deconde!” E enquanto o trem vai chegando e parando, à margem dos trilhos, as casas de beira-linha correm para trás. 

Nos outros versos deste livro, a mesma pungente vivência. 

Contava-se, ali mesmo, em Maria da Fé, a história da mulher que foi cruelmente espoliada, e de certa maneira assassinada – pois que nunca mais voltou a ser ela mesma. Essa história vem em prosa, no meu livro chamado Água Funda, que traz paisagens de Pedrão, Turquia, Anil, Cristina, Maria da Fé. 

Cantemos com a feliz autora, do “Outro lado da montanha”: 

Minas Gerais, Minas Gerais, 

Quanta saudade você me traz!

Tudo isso nos vem à lembrança, lendo os versos de Maria do Carmo. Tudo porque ela nos presenteia, não somente com um excelente livro de lembranças, mas com a sinceridade de quem escreve com o coração nas mãos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário