quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Releitura de Jubiabá

Ruth Guimarães

Jubiabá, apesar do seu pouco valor, como obra representativa tanto da nossa literatura, como da própria obra de Jorge Amado, é um dos seus livros mais expressivos. Nele já estão os elementos que se desenvolverão mais tarde, quando o Autor atinge a obra-prima, revelando-se o pícaro com características bem brasileiras dos livros posteriores, a partir de Gabriela, Cravo e Canela. O amor livre, a mulher como criatura da natureza, fora de peias sociais, ali se delineia nas figuras femininas primitivas. Jorge Amado mesmo se revela um primitivo em Jubiabá. É como primitivo, um emotivo espontâneo, que ele capta o mistério de Jubiabá o feiticeiro, sendo que este não é personagem importante, mas o feiticeiro que dele emana e cria um clima estranhíssimo, catalisador de destinos, esse é. Em Jubiabá, livro da primeira fase, poético e sem aprimoramento, a sociedade da Bahia, isto é de Salvador, é vista através de um personagem, Antônio Balduíno, negro do morro, enjeitado e rejeitado. Que não conheceu mãe e nunca teve pai, criado por uma tia que lhe dá comida, castigo, um tanto de indiferença, e um ângulo singular para enxergar e apreender o mundo

Antônio Balduíno, moleque de morro, capitão de areia, caminhante de muitos caminhos, vivendo o drama dos favelados, dos párias, dos injustiçados sociais, é um sonhador de sonhos. Vive entre marginais, saveiristas, gente sem nenhuma possibilidade de viver dignamente, mas olha para as estrelas e elas lhe dão mensagens. Tem admiração pelos heróis populares, deseja ser um deles. Como aqueles cantados nas feiras, em ABCs populares, artistas do desafio e do repente, como Manuel do Riachão e Inácio da Catingueira. Ou gente do cangaço, como Lampião, Corisco, Azulão, o Diabo Louro. De um lado a poesia, do outro, o guerreiro. Tivesse nascido em Pajéu de Flores, seria o jagunço vestido de couro e alpercatas, chapéu quebrado na testa, a munição pesando na guaiaca, enfrentando com audácia os macacos das volantes. Fosse de mais abaixo, das rumorosas cabeceiras do São Francisco, e o canto lhe sairia puro nas cantigas. Fosse vaqueiro, domador e peão, e talvez nome seu ecoasse pelas estradas boiadeiras, façanhudo e provocador de lendas. Pária da cidade foi capitão de areia, mas não nascera para marginal. Jubiabá – é um livro de denúncia. Qual a salvação preconizada por Jorge Amado, que, nesse momento, a partir de 1932, entra no caminho do proselitismo comunizante? Somente a politização da pária, a sua conscientização, farão com que ele se salve.

Integrante do PCB, o comunismo de Jorge Amado é tão romântico e tão inócuo, que jamais foram os seus livros proibidos. Fazer auto de fé de Jubiabá, para quê? As idéias de Antônio Balduíno são sonhos inofensivos, assim como o proselitismo do Autor, que, sob o romântico das pregações contra as injustiças sociais, está se preparando para se revelar o burguês que no fundo sempre foi.

Antônio Balduíno, menino de morro, capitão de areia, boxeador, procurando se realizar, sem estar preparando para nenhuma das coisas que empreendia, desaproveitado e inadaptado, acabou frustrado, mas herói. Atingiu o clímax, inter pares, e ressuscitou no ABC a que todo herói tem direito.

Jubiabá é novela, com heróis sem abismos, e sem funduras psicológicas, a narração linear, poema em prosa, épica sertaneja, de um escritor que, no fundo, é primitivo como os seus personagens, por isso tão autêntico, revelando, de forma tão pura, o lirismo da alma baiana.

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