Ruth Guimarães
Temos que enfrentar esta desagradável realidade: somos um povo que não canta. Se um grupo de festa ataca a escala de dó a si, é a voz rouquenha do sexto chope ou do terceiro conhaque.
Na ida e na vinda de um piquenique há algazarra e gritaria, falta de educação, de criança ou gente grande, moleques enfim mexendo com quem passa na rua, lá embaixo, sem condições de revidar. Não são cantigas, embora comece com o mesmo c de covardia. Os caminhões entre o Pacaembu e o Largo da Batata, entre o Maracanã e a praça Paris, carregados de torcedores e aos brados de mais um, transportam gente que berra, uiva, guincha, urra, mas não canta.
Há quanto tempo, há quanto! não se ouve mais uma cantiga de roda! (Teresinha de Jesus, vai à porta e vê quem é...)
Caipira canta? Não vê! Desafio, só depois de muita cachaça. Começa com pinga e acaba com facada. Mas isso é cantar?
Nunca tivemos uma canção nacional, que todos soubessem , todos cantassem, em redor da mesa, no Ano Bom ou no Natal, nos quintais quando as crianças brincam, nas ruas, quando as moças vão de braços dados espiar se o amor já vem, nos passeios a pé pelos arredores, nos campos e nas praias.
Nos serões familiares de algum tempo principiou a pegar a Casinha Pequenina, depois foi a Casa Branca da Serra, e depois O Luar do Sertão. Mas por pouco tempo e logo tudo se acabou.
Não somos de cantar. E cantar, decerto, nos faria bem.
Agora uma pergunta aos senhores professores de Educação Artística: por que não ensinar as crianças a cantarem? Aula de canto? Melhor do que isso. Aula de canto livre. De Cantiga. De Cantoria. Uma aula alegre de cantoria. Pôr crianças e adolescentes em pé em volta do piano ou violão, ou de duas colheres para marcar compasso. Fazê-las cantar não importa o quê. Todas juntas. Um uníssono. Não importa o quê. Lavando a alma na cantiga, como um canário da terra, ou um curió. Porque o dia está claro e quente. Porque é cedo. Porque temos crise ou porque não temos crise. Porque estamos vivos. Porque somos brasileiros. Porque as crianças são crianças. Porque choraram depois da bronca. Porque quem canta seus males espanta.
Cantar. Seja prenda minha, a valsa do adeus ou atirei o pau no gato.
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