sábado, 3 de agosto de 2013

Comentários sobre o livro: "Os Filhos do Medo"

Ruth

Não acusei logo o recebimento do seu livro “Os Filhos do Medo” porque precisava, antes disso, fazer outra leitura dele, e a leitura teve de ser adiada por força das macacoas da idade.
Foi lido, agora em letra de forma, o que lhe deu, como dá a todos os livros, a sua verdadeira figura.
Nada tenho a acrescentar ao que já lhe disse a respeito dele quando o li inédito, senão que, uma vez publicado divulga-se o merecimento que tem e torna sempre lembrado o seu nome.
Dessa última leitura guardo a satisfação de ter verificado que você nem uma vez, mostrou no seu estudo o frívolo quê feminino, me contradiço no trabalho das mulheres, mesmo das notáveis escritoras.
Vou lhe contar um caso que tem relação com o que vem na página nove do seu livro. anota-se do que você diz a respeito da procura dos corpos dos afogados nas águas dos rios, por meio de uma cuia com uma vela acesa dentro. Em Pouso Alegre, que é uma mesopotâmia onde morre muita gente afogada, empregam gamela em vez de cuia;  mas não é disso que quero falar.
Não sei se leu um romance mexicano chamado “A Ponte na Selva”, de um autor que não é meu conhecido, cujo nome agora não me vem. É romance moderno, bem feito e interessante, em torno da morte de um menino que cai no rio e se afoga. Entre os meios que lançam mão para encontrar o corpo do pequeno, figura um pedaço de tábua posto a flutuar com uma vela acesa no centro, a qual há de parar no lugar em que o corpo se encontrar. Não estranho que esse costume seja generalizado porque resulta de um fato natural e averiguado. Conto o caso porque você tem interesse nisso e talvez não a conheça.
Quando o José esteve aqui conversamos muito e fiquei informado dos seus arranjos, ocupações, projetos, esperanças, e satisfeito porque vai tudo correndo como você quer.
Que assim seja sempre através dos anos que aí vem; e sempre que se sentir contente com a vida e tiver vontade de se expandir, como gostam de fazer todos os contentes, escreva-me contando o que lhe acontece porque me alegra participar do seu contentamento.
Não tenho o que dizer dos nossos amigos e colegas a não ser que vão bem de negócios e saúde. De letras nada sei – ando por longe já meio cansado delas, mas, por despedida estou escrevendo um livrinho de notas sobre passagens da minha passageira vida literária: chama-se “Manicuêra” – o que foi mandioca, ou, restos venenosos do mani.
E me despeço agradecendo o presente do livro e pedindo que dê lembranças minhas ao José.
Sempre o seu amigo velho
Amadeu de Queiroz

São Paulo,

25-6-1951

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