Ruth Guimarães
Pergunta embaraçosa a sua – o que é
poesia? E mais ainda a que se segue: como fazer para reconhecer nos versos se
há poesia? Não contente o amigo de ter proposto esses enigmas ainda vem com
mais uma. O que fazer para ser poeta?
A primeira pergunta ficaria muito bem respondida por mim e eu seria
perfeitamente honesta se dissesse: eu sei lá!
Também poderia dizer que Poesia é no campo da Literatura o que é a
Eletricidade na Física, isto é, uma força misteriosa, que é o mais que dela se
pode dizer, como definição, é isto:
“A eletricidade”, - diz Bertrand Russel, “não é uma coisa como a
Catedral de São Paulo; é um modo pelo qual as coisas se comportam.”
É claro que o amigo não ficará contente com isto e arriscarei uma
interpretação. Ao responder-lhe, vem-me à lembrança as palavras de Graham
Greene na novela O Terceiro Homem:
“Provavelmente sabia de tudo isso, mas as dores que sofria eram
terríveis, e assim como os animais procuram a escuridão para morrer, os homens,
imagino, procuram a luz. Um homem quer morrer em casa. E a escuridão não é casa
de ninguém.”
Far-me-ia compreender pelo amigo, se dissesse que a Poesia é a casa do
Homem?
Adiantaria responder-lhe que a Poesia oscila entre o mistério e o
milagre, quando não é das duas coisas ao mesmo tempo?
Ouça o que diz Ungaretti:
Vi arriva il poeta
e poi torna alla luce con i suoi canti
e li disperde.
Di questa poesia
mi resta
quel nulla
d’inesauribile segreto.
(G. Ungaretti, L'Allegria, da: Vita
d'un uomo, Mondadori Milano 1969)
Na verdade a pergunta é muito embaraçosa. Vejamos o que diz Tristão de
Ataíde: “A poesia é um modo de compreensão. É uma atitude em face do universo e
uma modalidade de tradução dessa atitude.
O poeta, como o físico, o matemático, o metafísico ou místico, é um
contemplativo, que procura penetrar na essência das coisas e das pessoas para
descobrir seu segredo.
O poeta é, de certo modo, o mais completo e o mais livre de todos esses
perscrutadores do mistério das coisas, pois nada lhe é estranho na natureza
animada ou inanimada.”
Posso repetir que poesia é a mais perfeita forma de conhecimento.
E posso ainda lhe dizer que poesia é emoção. Se o amigo ficar
emocionado lendo os versos, sejam quais forem, ou de quem forem, eles conterão
Poesia.
Ficou sabendo mais, depois disso? Não ficou e nem poderia. Aprenda a
conhecer Poesia lendo Poesia, é tudo quanto posso lhe dizer. Leia Manuel
Bandeira, Mário de Andrade, Cassiano Ricardo, Ribeiro Couto, Cecília Meireles.
Leia Camões. Leia Cruz e Souza e Alfonsus de Guimarães. Os livros são os
grandes mestres. Não há outros.
Para conhecer seja o que for, e não somente Poesia, são necessários:
experiência e intuição. Os livros realmente não nos ensinam, mas libertam em
nós a obscura ciência das coisas, o conhecimento que nos deram a experiência e
a intuição, estas, ai de nós! perfeitamente indefiníveis e intransferíveis.
Mas repare que tudo na vida é assim. O destino, o amor, tudo que for
importante, e mais, essencial, são outros tantos enigmas, que se postam nas encruzilhadas
da existência, murmurando a sentença fatídica:
“Decifra-me ou te devoro!”
E agora chegamos à terceira adivinha que me propõe o amigo.
O que fazer para chegar a ser poeta?
Essa não será a sua maneira de ser engraçado, creio, pois o tom geral
de sua carta é até bastante sério.
Deixe-me contar-lhe por alto o enredo do “Aprendiz de Feiticeiro”,
supondo que o amigo não o conhece:
“Um rapaz foi certo dia procurar um famoso feiticeiro para aprender as
misteriosas artes da feitiçaria. Aprendeu tudo em pouco tempo, entretanto se
queixou:
- Mestre, em verdade já sei tudo, já aprendi tudo, entretanto ainda não
cheguei a um feiticeiro. A mágica é para mim tão misteriosa como antes.
E foi então que o mestre assombrado e indignado o expulsou de sua casa
dizendo:
Então você não era feiticeiro antes? Por que veio aqui aprender as
artes?”
Não me leve a mal. Porém, se o amigo não é poeta, porquê, para quê quer
aprender a escrever poesia?
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