domingo, 4 de agosto de 2013

Festival da música popular

Ruth Guimarães

Festival da música. Fazíamos festivais e havia muita gente boa, compondo, interpretando, realizando. E mesmo assim havia momentos em que eu ficava profundamente envergonhada por tudo o que ocorria com o Festival de Música Popular Brasileira. Pelas vaias? Ora, as vaias! Isto é percalço a que os artistas têm que se acostumar, ou pelo menos admitir sua possibilidade. Vila Lobos foi vaiado na minha terra e este não é o nosso menor título de glória. E ainda por cima o jornalzinho de lá publicou uma notícia em que se dizia que o intratável artista tivera exigências descabidas, queria silêncio por parte de um público não acostumado a manifestações de arte cheias de esquisitices como a sua.
O Festival aconteceu há quarenta anos e não devia estar puxando assuntos antigos. De lá para cá houve grandes progressos em todos os campos. Mas o que a tecnologia tem de rápida, o resto é lento demais, e quando se pensa que se vai para a frente, o carro está dando marcha à ré. Levamos quinhentos anos para subir da aringa, da cubata e da  taba a apartamentos nas alamedas iluminadas a neon; e uma noite só para voltar da roupa civilizada à argola no nariz, e à risca de jenipapo no torso. Da voz que aplaude ao bu-u-u-u selvagem.
Não se pensava que nossa civilização fosse tão artificial, tão mal tolerada. Mais uma recaída dessas e vamos parar na Idade da Pedra. Mas para falar com franqueza, não é isso que me envergonha. O povo, massa ignara que não entende patavina de música, porque música não há mais, nem de outras coisas, que gosta é de lenga-lenga, ruído, uma nota em cima outra embaixo, e jeng-jeng de guitarras desafinadas, a querer opinar, isso nem chega a ser audácia dos coitadinhos, mas apenas um mal-entendido. Pois o desconsiderado mesmo é o povo. Dele dirão que é mal-educado, bruto, grosseiro, caipira, e não que procedeu mal por falta de orientação. O povo é criança que reclama ensino. Não é do povo que me envergonho, e nem de suas vaias. Eu me envergonho mesmo de nossas elites. O povo exorbita, os artistas, atiram-nos às feras, a coisa é como é. E não se ouve nem uma palavra de advertência, nem uma exortação amiga, ninguém reprova ninguém. Naquele festival até disseram numa reportagem que a vaia é apenas uma manifestação natural. Nesses nossos dias, tudo virou manifestação natural.
Ora essa! Se vamos às manifestações naturais em público esta terra vai mal. Atitudes como essa não são um direito e não são direitas. O povo espera que lhe digam isso. O povo-criança espera que lhe ensinem isso. E que fazemos, educadores, que não representamos o povo, não o encaminhamos, não o fazemos sentir com energia a nossa desaprovação, não lhe damos a senha e não o ajudamos a preservar antes de tudo a dignidade e o respeito à pessoa humana? E assim conservará para honra e para sua felicidade o respeito de si mesmo.

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