terça-feira, 30 de julho de 2013

Nossa linguagem musical

Ruth Guimarães

Foto de Botelho Netto
Que conheciam os índios? O sol, a noite, o rio, o macaco, a preá, a onça. Que queriam eles? Viver. Além do comer, do beber, do re­produzir-se, queriam também saber quem os tinha feito. Que faziam eles neste mundo.

Conforme Couto de Magalhães, a teogonia indígena se refere ao sol, Coaraci ou Guaraci, criador de todos os seres viventes. Jaci, a lua, mãe e esposa de Guaraci, e mãe de todas as coisas, venerada e festejada, senhora de ritos.

A floresta que era o seu sustento, refúgio, casa, céu, des­pensa, tugúrio, propriedade, quem a protegeria? E veio o Curupira, Caapora, duende espantoso, protetor das matas e dos bichos. E veio Anhangá, dono da caça dos matos, espírito separado, demoníaco, às ve­zes bom, às vezes mau. Poderoso.

Desde os tempos mais primários, mais selvagens, até um grego do quinto século, até um Heidegger ou um Sartre, desde o homem das ca­vernas ao camponês bretão, do habitante da palhoça amazônica ao ocu­pante das mansões do Morumbi, todos querem uma explicação para o que lhes acontece, sem o que ninguém poderá tolerar em certos momentos ne­gros esta negra vida. E aí está porque todos os contos ameríndios do Brasil são etiológicos e tentam explicar a cosmogonia ou a origem dos animais.

Os índios estão em nós, já o dissemos.

Diluídos na linguagem, por exemplo. Foram os falares indígenas que emprestaram à Língua Portuguesa, mais surda e mais martelada, a rica tonalidade brasileira, cantada, lenta, de vogais escandidas bem abertas e de sonoros nasalamentos. Isto na fonética. O vocabulário fi­cou milionário e original, de palavras nunca dantes conhecidas. Nomes de peixes, de plantas, de frutos, de animais: de répteis, principal­mente da grande variedade das cobras, dos quelônios, dos bichos de pena e pelo.

E os antropônimos?

E os topônimos?

E até na morfologia, apesar do seu extremo atraso e de serem os nossos indígenas um povo ágrafo, ficaram os sufixos e prefixos. Quem não conhece as fórmulas: mirim, guaçu, uçu, como em Imirim, água pequena, jararacuçu, jararaca grande; una como em boiúna, a cobra preta, graúna, pixuna.

Taiova, urucu, cambará, embaúva, sapucaia, tajá, caraguatá, imbê, taiuiá, suçuaiá, trapoeiraba, maracujá, sapoti, abacaxi, iguapé, tucum, pitanga, goiaba, jacaratiá, gerivá, taquari, ipecacuanha - são todos nomes indígenas de uso doméstico e cotidiano, na região. E ou­tros e outros.

E sanhaçu, sabiá, saracura, arara, anum, nhambu-xororó, mutum, guará, paca, tatu, cutia, preá, capivara, anta, jacaré.

Em que língua do mundo há um vocabulário de tal música?

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