Ruth Guimarães
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Foto de Botelho Netto |
Que conheciam os índios? O sol, a noite, o rio, o macaco, a preá, a onça. Que queriam eles? Viver. Além do comer, do beber, do reproduzir-se, queriam também saber quem os tinha feito. Que faziam eles neste mundo.
Conforme Couto de Magalhães, a teogonia indígena se refere ao sol, Coaraci ou Guaraci, criador de todos os seres viventes. Jaci, a lua, mãe e esposa de Guaraci, e mãe de todas as coisas, venerada e festejada, senhora de ritos.
A floresta que era o seu sustento, refúgio, casa, céu, despensa, tugúrio, propriedade, quem a protegeria? E veio o Curupira, Caapora, duende espantoso, protetor das matas e dos bichos. E veio Anhangá, dono da caça dos matos, espírito separado, demoníaco, às vezes bom, às vezes mau. Poderoso.
Desde os tempos mais primários, mais selvagens, até um grego do quinto século, até um Heidegger ou um Sartre, desde o homem das cavernas ao camponês bretão, do habitante da palhoça amazônica ao ocupante das mansões do Morumbi, todos querem uma explicação para o que lhes acontece, sem o que ninguém poderá tolerar em certos momentos negros esta negra vida. E aí está porque todos os contos ameríndios do Brasil são etiológicos e tentam explicar a cosmogonia ou a origem dos animais.
Os índios estão em nós, já o dissemos.
Diluídos na linguagem, por exemplo. Foram os falares indígenas que emprestaram à Língua Portuguesa, mais surda e mais martelada, a rica tonalidade brasileira, cantada, lenta, de vogais escandidas bem abertas e de sonoros nasalamentos. Isto na fonética. O vocabulário ficou milionário e original, de palavras nunca dantes conhecidas. Nomes de peixes, de plantas, de frutos, de animais: de répteis, principalmente da grande variedade das cobras, dos quelônios, dos bichos de pena e pelo.
E os antropônimos?
E os topônimos?
E até na morfologia, apesar do seu extremo atraso e de serem os nossos indígenas um povo ágrafo, ficaram os sufixos e prefixos. Quem não conhece as fórmulas: mirim, guaçu, uçu, como em Imirim, água pequena, jararacuçu, jararaca grande; una como em boiúna, a cobra preta, graúna, pixuna.
Taiova, urucu, cambará, embaúva, sapucaia, tajá, caraguatá, imbê, taiuiá, suçuaiá, trapoeiraba, maracujá, sapoti, abacaxi, iguapé, tucum, pitanga, goiaba, jacaratiá, gerivá, taquari, ipecacuanha - são todos nomes indígenas de uso doméstico e cotidiano, na região. E outros e outros.
E sanhaçu, sabiá, saracura, arara, anum, nhambu-xororó, mutum, guará, paca, tatu, cutia, preá, capivara, anta, jacaré.
Em que língua do mundo há um vocabulário de tal música?
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