Ruth Guimarães
Havia uma cidade nas Alagoas (esse estado dá de tudo) onde a mania era tascar apelido em todo o mundo. Forasteiro que aparecesse, daí a dias estava com um nome novo em folha, e tão bem posto, tão justinho! que pegava e viçava como a árvore bem estercada responsável por muita desordem no povoado. E era com todos. A veia sardônica da comunidade se traduzia nesses apelos. Até o Senhor Bispo, que chegou de báculo e mitra, numa solene ostentação de ciclamens e dourados, para uma crisma de fim de ano, antes do término já tinha o vocativo de Bolo-Enfeitado. Foi a essa cidade que aportou certo dia um promotorzinho, recém concursado, elétrico, nervoso, preocupado com a sua imagem. Procurou tirar todas as informações possíveis a respeito do lugar. Esclarecido acerca dos ápodos, tratou de dar um jeito. Chegou à noite, desceu as malas rapidinho, registrou-se no único hotel e não saiu mais do quarto. As refeições eram levadas “lá em cima”, cigarros, bebida, tudo ele encomendava por telefone, e enquanto esperava a hora de sair, pedia ao dono do hotel, a alguns serventuários do Fórum que iam conhecê-lo, a um ou outro curioso, pessoa grada da cidade, que informassem a todos que ele tinha chegado. O Dr. Nelson Vidigal da Costa Santos, o novo promotor, chegou. Mandou fazer a plaquinha de metal que iria ficar em cima de sua mesa de trabalho. Dr. Nelson Vidigal da Costa Santos, promotor. Quis uma entrevista com a moça que trabalharia como sua secretária. Nelson Vidigal da Costa Santos. Muito prazer. Entrementes, ele ficava nos seus aposentos, atrás da janela fechada, olhando melancolicamente para a rua, pelas frestas das venezianas. Depois de três dias, ele enfim se aprontou para sair, deu tempo de todos ficarem sabendo o seu nome. Pensou, esfregando as mãos, contente com o estratagema. Deu tempo, sim. Quando ele se integrou no horário e calendário do seu cargo, apelido dele era Rato-de-Gaveta.
Fala-Fino, Pula N’água, Zé-pra-frente, Galinha Gorda, Mamica, Macarrão, Zé-do-Inferno, Boi-de-Argola, esses são alguns dos apelidos da minha gente cachoeirana. Gente. Mas as ruas também têm apelidos. Temos cá a Rua do Sapo, a Rua da Raia, a Rua de Baixo, a Rua do Grupo.
Os bairros também têm o seu codinome: o bairro do São João, outrora Lagoa Seca, e em parte Maloca; a Turma 26, que atende pelo nome de Pé-Preto.
Os ônibus... Os ônibus também? Ora, pois, pois.
Os ônibus. O que vem de Silveiras é o vulgo Cipó, onde se penduram os viajantes da vizinha cidade silveirense, de gloriosa memória, e onde os liberais de 1842 resistiram bravamente. O outro ônibus, um que faz a linha Cachoeira-Embaú-Quilombo-Embaú-Cachoeira, responde pelo cognome de Cata-Jeca.
E não para por aí. Os times de futebol também concorrem com seu apelidozinho. Um que fica no alto chamado da Igreja, caminho do único cemitério da cidade, e ao qual, devido à silenciosa vizinhança, puseram o apelido de Dois de Novembro, desencadeou um sobre-apelido: é denominado Caveirinha. Um outro clubinho da várzea é constituído de vários ex-craques, e de jogadores-de-domingo, geralmente pais de família que ocupam a manhã esperando que se faça em casa a gororoba (ou é gente fugindo de casa e da língua da mulher). Esse time é chamado – dos Compadres.
Nem os trens escapam. A máquina movida a carvão, negra, lustrosa, bonita, com os metais dourados brilhando, foi chamada Maria Fumaça. Um trenzinho misto, parador, que saía de tardezinha, na boca da noite, era, por isso mesmo, o bacurau.
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