Ruth Guimarães
Um Touro-Brabeza, desses que nunca viram gente, nascido nos campos da Bocaina, numas furnas, um dia resolveu conhecer a criatura de que tanto os mais velhos falavam: o Bicho-Homem.
- Vamos ver quem pode mais - disse ele, trotando em direção da cidade.
Desceu serra, subiu morro, e tornou a descer, até dar embaixo na planície.
- Que é aquilo? - ele perguntou aos passarinhos, seus velhos conhecidos desde os tempos de boieco, na serra. Grandes amigos, eles serviam até para catar bichinhos que posavam no lombo robusto. E explicou: - Aquilo lá, cheio de buracos, feito uma caixa grande.
- Aquilo, seu Brabeza, é a morada do Bicho-Homem.
- Se é para morar - disse o Touro, com pouco caso - joão-de-barro constrói casa melhor.
- Adonde que o senhor vai? ainda que mal pergunte - indagou um Anum.
- Justamente vou conhecer o tal Bicho-Homem tão falado.
- Eu não aconselho.
- Ah! Eu vou! Quero ver se ele é mais corajoso do que eu.
Anum ficou sacudindo a cabeça, como quem está com pena, e lá foi o Brabeza pra diante.
Quase na entrada da cidade, ele viu uma velha, bem velhinha, corcovada, os cabelos branquinhos, que andava arrastando os chinelos e tinha uns olhos tão doces, tão tristes, tão desconsolados.
Brabeza veio bufando e assoprando, a velhinha tropeçou e se encostou no barranco, sem poder dar nem mais um passo.
- Você é o Bicho-Homem?! - berrou ele, olhando feio.
A velhinha se desencostou do barranco, caçou o chinelo que tinha escapado dos dedos, com o pé ainda trêmulo. Conseguiu sorrir e respondeu:
- Não, meu filho. Eu sou só a mãe do Bicho-Homem.
- Ah! Pode ir, dona Mãe, não quero nada com a senhora, não.
Mais adiante, viu o Menino. Ia aos pulinhos, com um estilingue na mão, atirando pedrinhas nas fruteiras e nos passarinhos, não acertando nenhum.
Brabeza investiu. O Menino passarinhou ingazeiro acima, e de lá, gritou para o touro raivoso:
- Que é isso, meu? Está maluco?
O Touro-Brabeza berrou de cabeça baixa:
- Você é o Bicho-Homem?
- Não! Que ideia! Você não está vendo que eu sou um Menino? Eu ainda vou ser o Bicho-Homem.
O Touro-Brabeza não entendeu bem a colocação, mas deu um bufo e foi andando. Quase às portas da cidade encontrou o Velho.
- "Este aqui me parece o Bicho-Homem" - resmungou para si mesmo.
Cresceu para o Velho, que, com o susto, pranchou no chão e ficou pererecando para levantar.
- Você é o Bicho-Homem?
- Quem me dera! - disse o Velho gaguejando de medo. - Eu já fui o Bicho-Homem.
O Touro já estava desanimado, quando encontrou o Caçador, todo paramentado para a caça, incluindo uma espingarda carregada.
- Você é o Bicho-Homem - o Touro mugiu.
- Sou sim, eu sou o Bicho-Homem! Quer alguma coisa comigo?
- Vim ver se você é tão valente como dizem...
- Pois eu vou mostrar a minha valentia.
Engatilhou a arma e deu um tiro nas ventas do Brabeza.
O Touro urrou, escarvou a terra com os pés, e desandou o caminho, na maior carreira da sua vida. Subiu morro, desceu, subiu a serra e foi parar entre os companheiros, ainda aos bufos e aos berros. A manada toda o rodeou, curiosa.
Ele, todo espavorido, nada dizia. Foi só alguns dias mais tarde, quando já não sentia a dor da queimadura de pólvora na cara, que conversou a respeito da viagem tão mal arrematada.
- E o Bicho-Homem, você o encontrou? Ele é bravo mesmo?
- Ah! O Bicho-Homem! Nem me falem dele! Só com um espirro que ele deu, olhem só como ficou o meu focinho!
Nenhum comentário:
Postar um comentário