terça-feira, 30 de julho de 2013

A Nossa Português, Casta Linguagem III

Ruth Guimarães

O domínio em uso conveniente das palavras não se prende tão só pela significação que vem no dicionário, mas do que adere a cada palavra de sentimentos e de que carregam os nomes.

Na obra literária se encontra, em Machado de Assis por exemplo, a metáfora – que ele a utiliza, além da metonímia e outras figuras de linguagem, para introduzir o humor, muitas vezes sarcástico, ou cômico-sarcástico, ou trágico. Um exemplo que apresenta um caráter cômico-poético: quando deseja confessar à mãe o seu amor por Capitu, para assim evitar o seminário, Bentinho sonha alto: "... a minha imaginação era uma grande égua ibera; a menor brisa lhe dava um potro, que saía logo cavalo de Alexandre".

A linguagem figurada não está cristalizada, no entanto, é preciso que se conheça o vocabulário nas mais íntimas implicações. Pois que todas as palavras são multissignificativas. Mesmo as mais concretas, as mais singelas, as mais antigas, como água e pão. Em Dom Quixote a palavra não diz o que significa, mas exatamente o contrário, pela ironia. Cervantes inventa nomes pomposos ridicularizando muitos sobrenomes da fidalguia.

Para Proust a metáfora é marca de estilo; de “beau style”. E não é uma questão de técnica, mas de visão profunda. Ele diz: “Pode-se fazer suceder indefinidamente em uma descrição os objetos que figuravam no local descrito, a verdade só começará no momento que o escritor tomar dois objetos diferentes, fizer sua relação... e os fechar nas cadeias necessárias de um belo estilo; mesmo, assim como a vida, quando, aproximando uma qualidade comum a duas sensações, ele livrar sua essência comum reunindo-os um e outro para subtrair-lhes às contingências do tempo em uma metáfora.”

Mister é que se conheça cada nome com os atavios que lhes são próprios, como se altera, sutilmente, na prosa. 

O que fazer para conseguir o domínio das palavras?

Com quem aprender?

O caminho é ir aos mestres, ler os mestres, procurando, nas sutilezas da construção, o pensamento. Daí ir verificando como a palavra é nuançada, cambiante, flexível, móbil, flutuante, fugidia, e como imita a onda, o vento, o pensamento, difícil de captar, de fixar, mas exprimindo enfim o que de mais vago e caprichoso existe que é a alma humana. Então a leitura preferivelmente em voz alta, com anotações melódicas e sistematizadas, para disciplinar o pensamento e fixar o ritmo, a construção, a significação. E como mestres digo os criadores das obras-primas da literatura no mundo, não só no Brasil. Que as boas traduções sejam aceitas, manuseadas, lidas e amadas. Variações de leitura podem ser tentadas, se assistirmos a boas peças teatrais, se ouvirmos os conferencistas que têm o que dizer, se pusermos para tocar na vitrola discos de declamadores – ou um cd no cdplayer, se quiserem – por meio dos quais observaremos as variadas maneiras de dizer a mesma coisa, tentando recursos de ênfase e entonação.

Pedagogicamente podemos tomar providências mais simples: a boa leitura em classe, enfatizando o valor da pontuação, quer fisiológica, simples pausa para respiração, quer afetiva, com voz marcando o sentimento. A leitura dramatizada, mais viva e movimentada. A leitura silenciosa, com pesquisas no texto. A sinonímia, com o uso rápido e intensivo do dicionário. A procura de imagens no texto.

Também se pode propor a resolução dos problemas linguísticos correção de frase e complementação de textos truncados. As palavras e a fixação do símbolo. As charadas ajudam na fixação de vocabulários, e na vivacidade do raciocínio. Os jogos vocabulares prendem a atenção e desenvolvem, treinando a observação, a síntese, o bom emprego das palavras.

Os torneios oratórios, raramente usados aqui no Brasil, e mal usados, diga-se, em comícios e festas, seriam oportunidades para o enriquecimento vocabular. Sociedades oratórias têm se fundando, com bem pouca procura. Mas os bons oradores são adorados pelo povo, e as festas religiosas ainda são ocasiões preciosas de aprendizado da religião e da língua.

A leitura diária dos jornais e a TV nada trazem posto que são veículos viciados de comunicação, do ponto de vista linguístico. Quando as pessoas falam a mesma língua, isto é, comungam em ideias, têm um vocabulário preciso e sabem se exprimir, reduzem-se os mal entendidos. Atrevo-me a dizer que no Brasil não há guerras e aqui as revoluções se fazem da maneira mais fraudulenta sem sangue nem heróis de caserna, porque falamos, de norte a sul, a mesma língua. É verdade que muito mal se fala, mas a fala não se dialetou, mesmo se se corre o risco de queimar a língua com o vatapá “quente” da baiana ou de cair na armadilha de uma piada carioca, não há problemas de entendimento que durem mais que um minuto.

Não vou fechar este assunto. Agora não.

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