Ruth Guuimarães
A noite estava adormecida no fundo das águas, porque de primeiro não havia noite . Foi quando a filha da Cobra-Grande quis se casar. Vem comigo, disse o noivo. A noiva respondeu: Ainda não é noite. Se não há noite , por que esperar por ela? Aí a filha da Cobra-Grande ensinou: A noite está em casa do meu pai, no fundo do grande rio. Mande alguém lá. O moço chamou três dos seus índios e comandou:
Vão buscar a noite! Onde? Perguntem à minha noiva. O pai dela é feiticeiro e tem poder sobre as coisas.
A casa da Cobra-Grande era numa lonjura de não ter fim. Os homens foram subindo rios e mais rios, até que chegaram. Receberam um coco de tucumã, fechado com breu e o feiticeiro recomendou:
- Levem para a minha filha este caroço de tucumã, fechadinho do jeito que está. Aconteça o que acontecer, não abram esse caroço, senão todas as coisas se perderão.
Voltaram os moços canoeiros sobre as águas. Enquanto os remos mergulhavam, repetindo o marulho a cada remada, dentro do coco havia um rumor contínuo, variado, que era a fala de todos os bichos da noite. Quando já estavam bem longe, um deles disse aos outros:
- Vamos ver que barulho é esse, dentro do coquinho?
- Eu não. As coisas se perderão, você ouviu o que recomendou a Cobra-Grande.
- Besteira! Quem vai saber que abrimos o coco? Aqui nesta distância não se vê ninguém.
O que primeiro falou acendeu um foguinho, secundado pelos outros dois, derreteu o breu que fechava o coco e então, de repente, fuuuuuuu! todas as coisas escaparam de dentro do coco, espalharam-se pelo mundo e desceu um escurão feio sobre a terra.
Um canoeiro disse:
- Estamos perdidos. Com essa escureza, vão saber que soltamos a noite.
Enquanto eles se lamentavam, a moça disse ao noivo:
- Eles soltaram a noite. Vamos esperar a madrugada.
Pedras, folhas caídas, frutos secos que estavam espalhados pelo mato, se transformaram em animais e pássaros. O que estava nas águas se transformou em peixes e marrequinhos, caranguejos, baratões, irerês, paturis.
A filha da Cobra-Grande, quando viu a estrela d'Alva, disse:
- Vem vindo a madrugada. Vou separar o dia da noite.
Enrolou um fio e fez o cajubim. Pintou a cabeça dele com tabatinga, ela ficou branquinha, pintou as pernas de urucu vermelho e ordenou:
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