terça-feira, 30 de julho de 2013

Como nasceu a Noite

Ruth Guuimarães

A noite estava adormecida no fundo das águas, porque de pri­meiro não havia noite . Foi quando a filha da Cobra-Grande quis se ca­sar. Vem comigo, disse o noivo. A noiva respondeu: Ainda não é noite. Se não há noite , por que esperar por ela? Aí a filha da Cobra-Grande ensinou: A noite está em casa do meu pai, no fundo do grande rio. Mande alguém lá. O moço chamou três dos seus índios e comandou: 

Vão buscar a noite! Onde? Perguntem à minha noiva. O pai dela é feiti­ceiro e tem poder sobre as coisas. 

A casa da Cobra-Grande era numa lonjura de não ter fim. Os ho­mens foram subindo rios e mais rios, até que chegaram. Receberam um coco de tucumã, fechado com breu e o feiticeiro recomendou:

- Levem para a minha filha este caroço de tucumã, fechadinho do jeito que está. Aconteça o que acontecer, não abram esse caroço, senão todas as coisas se perderão. 

Voltaram os moços canoeiros sobre as águas. Enquanto os remos mergulhavam, repetindo o marulho a cada remada, dentro do coco havia um rumor contínuo, variado, que era a fala de todos os bichos da noite. Quando já estavam bem longe, um deles disse aos outros:

- Vamos ver que barulho é esse, dentro do coquinho?

- Eu não. As coisas se perderão, você ouviu o que recomendou a Cobra-Grande.

- Besteira! Quem vai saber que abrimos o coco? Aqui nesta dis­tância não se vê ninguém.

O que primeiro falou acendeu um foguinho, secundado pelos ou­tros dois, derreteu o breu que fechava o coco e então, de repente, fuuuuuuu! todas as coisas escaparam de dentro do coco, espalharam-se pelo mundo e desceu um escurão feio sobre a terra.

Um canoeiro disse:

- Estamos perdidos. Com essa escureza, vão saber que soltamos a noite.

Enquanto eles se lamentavam, a moça disse ao noivo:

- Eles soltaram a noite. Vamos esperar a madrugada.

Pedras, folhas caídas, frutos secos que estavam espalhados pelo mato, se transformaram em animais e pássaros. O que estava nas águas se transformou em peixes e marrequinhos, caranguejos, baratões, irerês, paturis. 

A filha da Cobra-Grande, quando viu a estrela d'Alva, disse:

- Vem vindo a madrugada. Vou separar o dia da noite.

Enrolou um fio e fez o cajubim. Pintou a cabeça dele com taba­tinga, ela ficou branquinha, pintou as pernas de urucu vermelho e or­denou:


- Você cantará para todo o sempre, quando o dia vier raiando.
Foto de Botelho Netto

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