Ruth Guimarães
Couto de Magalhães, Herbert Baldus e
outros pesquisadores da mitologia indígena estão aí para provar que o raconto
da Uiara pertence ao acervo das tribos. Algumas versões foram recolhidas em
dialeto tupi. Que se trate, pois, de um mito cósmico dos indígenas não há
dúvida. A pergunta é: pertence aos indígenas desde quando?Como informa Sílvio Romero, um relato muito parecido com esse é
conhecido na Nova Zelândia.
Não nos
importa determinar se se trata de um raconto de criação espontânea dos nossos
selvagens ou se houve contaminação por parte de povos que sucessivamente
penetraram as selvas brasileiras.
De 1922 para cá, com o advento do Modernismo, veio o namoro dos poetas
com os costumes tribais. O brasileirismo tomou como endereço as tabas
autênticas. Os indígenas passaram a freqüentar como donos da casa, que
realmente são, a nossa literatura. E então, por meio de coletas, tivemos
notícias do s mais belos contos brasilianos.Repetindo a história da Cobra-Grande, Raul Bopp, o gaúcho enamorado da
Amazônia, cantou, em Cobra Norato:
Ai,
compadre,
não faça
barulho,
que a
filha da rainha Luzia
talvez
ainda esteja dormindo.
Ai, onde
andará
que eu
quero somente
ver os
seus olhos molhados de verde,
seu
corpo alongado de canarana.
Talvez
ande longe...
Eu virei
viramundo,
para ter
um querzinho
da filha
da rainha Luzia.
Ai, não
faça barulho!
A história que Cassiano Ricardo (outro Modernista) conta é um pouco
diferente. Nela a Cobra-Grande desempenha um inusitado papel de Cupido:
De primeiro, no mundo,
era só dia, noite não havia
Mas, dentro de um rio fundo, morava a mulher mais bonita do mundo, de
cabelo mais verde do que o mato. Chamava-se Uiara. Um bugre, caçador de jaguar,
ficou louco de amor e pediu para casar com ela. A Uiara condicionou: “Vá buscar
a noite, se houver. Se não eu não serei sua mulher.” E ele foi. E não achou.
Porque de primeiro noite não havia,
era só dia.
Então ele encontrou a Cobra-Grande que disse: Eu tenho a noite. Deu-lhe
um coco, para ser aberto apenas em presença do amor ou da morte. No caminho,
ouvindo o rumor das coisas noturnas, o índio não resistiu à curiosidade e abriu
o fruto.
Coisas extraordinárias aconteceram. Houve completa escuridão. A manhã,
que despontou depois de algumas horas, matou o índio curioso espetado numa
flecha de sol.
A índia, quando soube da morte do amado
chorou tanto,
que as gotas do seu pranto
se tornaram estrelas...
E algumas lágrimas que caíram pelos campos
viraram pirilampos.
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