segunda-feira, 3 de junho de 2013

Uiara

Ruth Guimarães
         
Couto de Magalhães, Herbert Baldus e outros pesquisadores da mitologia indígena estão aí para provar que o raconto da Uiara pertence ao acervo das tribos. Algumas versões foram recolhidas em dialeto tupi. Que se trate, pois, de um mito cósmico dos indígenas não há dúvida. A pergunta é: pertence aos indígenas desde quando?Como informa Sílvio Romero, um relato muito parecido com esse é conhecido na Nova Zelândia.
Não nos importa determinar se se trata de um raconto de criação espontânea dos nossos selvagens ou se houve contaminação por parte de povos que sucessivamente penetraram as selvas brasileiras.
De 1922 para cá, com o advento do Modernismo, veio o namoro dos poetas com os costumes tribais. O brasileirismo tomou como endereço as tabas autênticas. Os indígenas passaram a freqüentar como donos da casa, que realmente são, a nossa literatura. E então, por meio de coletas, tivemos notícias do s mais belos contos brasilianos.Repetindo a história da Cobra-Grande, Raul Bopp, o gaúcho enamorado da Amazônia, cantou, em Cobra Norato:

Ai, compadre,
não faça barulho,
que a filha da rainha Luzia
talvez ainda esteja dormindo.
Ai, onde andará
que eu quero somente
ver os seus olhos molhados de verde,
seu corpo alongado de canarana.
Talvez ande longe...
Eu virei viramundo,
para ter um querzinho
da filha da rainha Luzia.
Ai, não faça barulho!

A história que Cassiano Ricardo (outro Modernista) conta é um pouco diferente. Nela a Cobra-Grande desempenha um inusitado papel de Cupido:

De primeiro, no mundo,
era só dia, noite não havia

Mas, dentro de um rio fundo, morava a mulher mais bonita do mundo, de cabelo mais verde do que o mato. Chamava-se Uiara. Um bugre, caçador de jaguar, ficou louco de amor e pediu para casar com ela. A Uiara condicionou: “Vá buscar a noite, se houver. Se não eu não serei sua mulher.” E ele foi. E não achou.
Porque de primeiro noite não havia,
era só dia.
Então ele encontrou a Cobra-Grande que disse: Eu tenho a noite. Deu-lhe um coco, para ser aberto apenas em presença do amor ou da morte. No caminho, ouvindo o rumor das coisas noturnas, o índio não resistiu à curiosidade e abriu o fruto.
Coisas extraordinárias aconteceram. Houve completa escuridão. A manhã, que despontou depois de algumas horas, matou o índio curioso espetado numa flecha de sol.
A índia, quando soube da morte do amado
chorou tanto,
que as gotas do seu pranto
se tornaram estrelas...
E algumas lágrimas que caíram pelos campos
viraram pirilampos.

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