segunda-feira, 3 de junho de 2013

Tiriricas

Ruth Guimarães

Na grande horta do meu avô, ao menor sinal de chuva, brotavam as tiriricas. Era preciso arrancá-lo com as mãos, deixá-las esturricaram ao sol, cruelmente, para que não abafassem as plantas. E minha avó, que tinha uma frase feita para cada ocasião, pontificava, a modos de quem de súbito ficou dono da verdade: “Tiririca, quanto mais tira mais fica.”

E então, quando aconteceu o episódio do Tiririca, com todas as suas implicações - falo da candidatura do palhaço Tiririca e sua fantástica ressonância - muitos quiseram tirar desse acontecimento a lição que soe acontecer nessas horas de comoção popular. Outros já haviam acontecido, semelhantes, e a conclusão a que se chegou é que o povo, farto de ser explorado ou para falar mais popularmente de ser esbulhado, teria querido votar com o objetivo de marcar bem o seu protesto. 

Sim. Já houve casos assim. O do gari de Cruzeiro, no vale do Paraíba, o do rinoceronte Cacareco, no Rio de Janeiro. Protestos, seriam? Ou leviandade? Ou molecagem? Será o caso de ainda não estarmos civilizados? De não avaliarmos como povo, como sociedade, a importância de escolhermos quem nos governa?

Parece que é mais do que isso. É uma avaliação das forças que nos governam. Das ideias mal ajambradas que dispõem de nós, povo. Das mal intencionadas obras que nos distinguem e nos orientam, a nosso pesar e à nossa revelia, enquanto fingem que acatam o nosso parecer. E entra um e sai outro e é tudo a mesma coisa. Tiririca, quanto mais tira, mais fica.

Inconscientemente, e cada um por si, principalmente os mais sinceros, mais naturais, mais simples, como que tocados por um comando de sincera humanidade, repetem o ridendo castigant mores.

O riso é a arma do oprimido, arma do desvalido. Arma do escravo. Arma do ignorante. O riso brota da Estultícia, em grego Mária, essa dispensadora da felicidade, como diz Erasmo em Elogio da Loucura. Diz e acrescenta: se faltar a loucura, verdadeira ou fingida, para mover ao riso, contratarão um palhaço mercenário e um ridículo parasita, aquele com caretas grotescas, estes com ditos estultos, loucos, portanto, que afugentarão o silêncio e a tristeza.

Comenta Umberto Eco que a comédia purifica uma das paixões: o prazer de gozar o ridículo sofrido por outrem.

O ridículo dos fatos, diz ele, nasce na assimilação do melhor ao pior e vice-versa. Do surpreender enganando. Do impossível. Da violação das leis da natureza. Do irrelevante e do inconsequente. Do rebaixamento dos personagens. Do uso de pantomimas bufonescas e vulgares. Da desarmonia.

E nasce sobretudo do equívoco.

Licurgo mandou erigir uma estátua do riso.

O que os romanos ofereciam à plebe? Pão e circo, isto é, comida e riso. O riso é o deleite da plebe. O riso é a arma da plebe. E assim tudo é levado de quatro em quatro anos à irrisão.

Para aguentar a negra vida.

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