segunda-feira, 3 de junho de 2013

Segundo Poema de Homem Negro

Ruth Guimarães

Falávamos do silêncio que cobriu o homem negro, e que talvez tenha sido o fator que mais atrapalhou a integração do mestiço à sociedade brasileira. O silêncio do branco, eivado de culpas, calou a sua versão e impediu a do outro. Com isso, ainda depois da abolição, mantiveram-se afastadas as duas cores, como em tempos de casa grande e senzala. 

E então compareceu Castro Alves, com os versos candentes de “O Navio Negreiro”, primeiro poeta social, apostrofando lindamente Deus: 

“Em que mar, em que terra Tu Te escondes? Onde estás, Senhor Deus”.

Mas talvez porque xingasse tão bonito e zurzisse os pecados abomináveis dos brancos cruéis com tanta arrogância, prestava-se mais atenção à beleza dos poemas que à sublimidade das ideias e à fealdade da escravidão.

O Romantismo, basicamente, constituiu-se no despertar de uma consciência nacional. Numa primeira fase surgiu a exaltação da natureza, observação e análise de tipos e costumes característicos, predominantemente rurais e sertanistas, tentativas de criação de um estilo com peculiaridades sintáticas e vocabulares da linguagem brasileira.

Destaca-se a figura ímpar de Castro Alves. Outros: Tobias Barreto, José do Patrocínio, Pedro Luis Pereira de Souza, Pedro Américo. As tendências dessa fase possibilitaram o surgimento do clima de efervescência criadora, que permitiu o nascimento de uma literatura brasileira no conteúdo e na forma. A última forma no estilo de época se diferencia das demais fases pela intensa preocupação político social. Seus epígonos tomavam partido e entravam decididamente na luta pró-abolição. Com influência do francês Victor Hugo, a poesia tomou feição épica, tornou-se oratória, revolucionária, liberal, e social. Chamou-se a esse estilo Condoreirismo.

Castro Alves, nascido em 1847, pôs a serviço do abolicionismo uma coragem desassombrada. Era ele próprio quem clamava: 

“Oh!maldição ao poeta que foge, falso profeta, nos dias de provação!”

Chamado o Poeta dos Escravos, combateu com a pena. Escreveu “Gonzaga ou a Revolução de Minas”, drama liberal e antiescravagista, “Vozes d’África”, e os poemas “Navio Negreiro” e “Os Escravos”.

Símbolo sobre símbolo, Castro Alves clama a desgraça da África, devastada, os filhos arrancados de seus braços e postos a ferros em cativeiro medonho. Seria castigo pelo crime nefando de Caim?

Eu falava em literatura, mas ocorre-me outra consideração. Eis que se apresenta o mal falado treze de maio. Para daqui a alguns dias. E não é nem festejado, nem tolerado, nem aceito. Parece-me que há aí aquela espécie de missa brasileira, em que o mais saído vai na frente dizendo a jaculatória, e a multidão atrás vai respondendo amém.

Liberdade é liberdade. Tom Maia, meu amigo promotor, costumava trabalhar do modo mais dedicado, para conseguir que alguns presos merecedores de redução de pena saíssem livres, indultados, sempre que possível. (Os bons, os de caráter, vítimas dos destinos e não esses de dois sextos da pena, bom comportamento e outras firulas). 

Porque, dizia ele – um dia de liberdade é um dia de liberdade.

Fosse lá pelo que fosse, o treze de maio veio antes. Quinze minutos escapando da servidão são quinze minutos de liberdade. Abençoada seja a Redentora por ter antecipado de quinze minutos a liberdade do negro. Seja lá por que motivo tenha sido.

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