sexta-feira, 17 de maio de 2013

Turismo religioso

Ruth Guimarães 

O cachoeirense não estava preparado para conquistar o seu lugar nas duas grandes empresas, digamos assim, que foram as nossas maiores esperanças de empreguismo e de desenvolvimento: a Canção Nova e o INPE. 

A primeira literalmente caiu do céu, pois que jungida aos negócios do Pai. A segunda cuida do tempo, mesmo se as más línguas digam que o tempo não existe. De acordo com a sua constituição delas, nenhuma está interessada no progresso desta cidade – do Brasil pequena obreira, como lá diz nosso hino. 

Ultimamente cogita-se de emplacar a cidade no turismo religioso, pegando carona na Canção Nova. Por motivos óbvios, o INPE não tem por onde entrar nessa conversa. 

A Canção Nova é elemento intransitivo, que contém em si mesma toda a sua predicação. O que não é um mal, pelo contrário. Entrou na vida cachoeirense mais ou menos como Pilatos entrou no Credo. Podia estar nesta cidade ou em qualquer outro lugar do mundo. Até possui ramificações em outros meios. Não tem necessidade nenhuma de nos agradar, nem de trocar gentilezas conosco, eis que suas raízes não estão em Cachoeira. 

Mas nós temos um material de raiz que é a santificação popular da Santa Cabeça, antigo orago de fundo folclórico, que apresenta uma enorme vitalidade. Podem coexistir Canção Nova e Santa Cabeça, para o fim em vista, ambas madrinhas nossas, na questão momentosa do turismo religioso. Uma não exclui a outra. 

Santa Cabeça nasceu aqui, a meio caminho de Silveiras, a légua e meia, mais exatamente. A imagem foi deixada por tropeiros andarilhos desses matos e dessas estradinhas de chão. Foi entronizada numa casa de caipira, em altarzinho forrado com toalha de abrolhos. Dali passou para a capelinha feita de pau-a-pique em mutirão no arraial. Bem mais tarde foi construída de alvenaria a capela, órade, com todo o necessário para missas, batizados e até casamentos. Não sei se nessa altura, para a história sacralizada entram os Hummel da região. Ela continua o seu ritmo vital de crescimento; ela a história, digo. 

O milagre é o componente básico dessa igrejinha. Milagre é o seu mistério de sobrevivência. Para ali vão romeiros, todos os fins de semana. A festança em meados de dezembro é uma loucura. 

A mudança de data de festa, de agosto para dezembro, por motivo de queimadas, não interrompeu o fluxo das romarias para a Santa Cabeça. Parece até que o intensificou. Talvez porque a humanidade e particularmente o Brasil necessite medicar a cabeça, precisa de psiquiatras e de santos que façam o milagre de consertar as mentes enfermas. 

Os romeiros, isto é, os santacabeceiros são mesmo uns peregrinos decididos a sofrer o martírio pela fé. Na vilazinha de Santa Cabeça, enfrentam a falta de água, o poeirão quando faz sol e o barro quando chove, sujeira e sede, sol na cabeça porque a sombra é escassa. Eles não têm onde se sentar, não têm o que comer, salvo o indefectível pão-com-linguiça dos barraqueiros. Sanitários? Não sei, não vi! E as árvores, meu Deus! onde estão as árvores? Aquela sombra, aquele frescor, aquela matinada de passarinhos, onde estão?

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