quinta-feira, 9 de maio de 2013

Resposta ao leitor

Leitor:

Gostaria de perguntar à D. Ruth Magalhães (é Guimarães mesmo, não usei um pseudônimo para escrever a última crônica) se usar o verbo judiaria ou judiar, referindo-se a fazer alguém sofrer dores físicas ou morais, também não é uma forma de preconceito contra judeus? Será que eles nunca ficarão livres da acusação da Crucificação de Cristo? Desse acontecimento é que surgiu o verbo "judiar". O povo judeu não merece isto. 

Ruth Guimarães:
O domínio em uso conveniente das palavras não se prende tão só pela significação que vem no dicionário, mas do que adere a cada palavra de sentimentos e de que carregam os nomes. Paradoxalmente a língua humana, veículo da palavra, é a melhor coisa que existe, entre todas deste mundo. E pode ser a pior, sendo tão excelsa, pois com ela destroem-se reputações, podem-se tecer ardis, estimular a traição, simular, distorcer, alternar, mentir, caluniar. 

Negro é um insulto? 

Judiar é um insulto? 

Para quem? 

Negra eu sou, o que não é nenhuma originalidade neste país. Negra e escritora, o que já constitui um modo singular de ser, dadas as circunstâncias. Também sou escritora regional, e, como caipira, a única. 

Negra, escritora, mulher e caipira. Eis aí minhas credenciais. 

Não me parece que no Brasil haja um problema específico de raça. A coisa é muito superficial, muito epidérmica. O que há realmente é um problema de classe. 

A linguagem se usa para rezar, por exemplo; a linguagem se usa para amar, sou intérprete de uma língua que existe. Seja de que origem for: o fetiche, que o francês emprestou do português feitiço, o verbo deletar que emprestamos do inglês, a palavra bunda que nos chegou via tribo africana bundos - ramificação dos bantos que em época remota abandonaram o vale do Nilo, dirigindo-se para o sul e ocupando progressivamente quase toda a África aquém-Saara - e que os portugueses não usam. Liberdade é poder fazer uso da linguagem. 

Liberdade não é apenas uma palavra para mim. Liberdade é rumo, é programa, é meta. Existe pouca gente livre no mundo. Liberdade é não se prender a palavras, mas ir além. 

Eu sou livre. 

Livre porque conquistei, com unhas e dentes, cada centímetro do meu espaço. 

Sou livre, porque não entendo de lamúrias nem de queixumes. 

Sou livre, porque obedeço apenas à voz da minha consciência. 

Nessa questão do negro, como sou meio a meio, não vejo sentido em funcionar só com a metade, seja a branca, seja a preta. Não me atenho à complacência do branco e não aceito a recriminação do negro. 

Tenho o direito de fazer minhas opções por mim. 

Quero ver claro neste assunto. Que é que nós queremos? Eliminar uma palavra? Queremos nos indignar com o que nos queira oferecer o dono da bola? O dono da terra? O dono do mundo? 

Ou o que? 

Quem nos deu dono? Por que aceitamos os donos? 

Nós estamos aqui. Nós estamos aqui para ficar. Queiram ou não queiram, nós somos o povo brasileiro. E já que estamos aqui, só o que falta é sermos. Era só o que faltava, sermos estrangeiros em nossa própria terra. 

Pois então, caro leitor: pregue o orgulho. Que as palavras não sejam insultos, porque elas não serão consideradas como tais. Negra eu sou. Com muita honra!

Nenhum comentário:

Postar um comentário