Ruth Guimarães
Sílvio Romero coletou esta história, que eu também publiquei no meu livro “Contos e Fábulas do Brasil”:
Um homem, certo dia, saiu da cidade andando a pé, e junto a uma porteira, longe de habitações, deu com uma caveira feia como só podem ser a morte e o pecado.
Levianamente, deu-lhe um pontapé e caçoou:
Quem te matou, caveira?
Mas qual não foi o seu espanto, quando, com um estalar dos ossos muito brancos, lavados de chuva e estorricados de sol, a caveira respondeu:
- Foi a língua.
O pavor o sacudiu com ímpeto. Saiu por ali afora numa doida carreira, e dentro de pouco tempo estava novamente na cidade. Na sua excitação, contou a toda gente o que lhe acontecera.
- Não pode ser – diziam.
- Foi. Juro. Eu vi. Eu ouvi. Junto a uma porteira.
- Uma caveira falando? Alucinação, meu amigo.
- Verdade.
Alguns acreditavam, outros não. A maioria, não. Mas a notícia correu a cidade, cercou-a, voou até o palácio do rei.
O rei mandou chamar o moço.
- Que história é essa?
O moço contou tudo, ainda se arrepiando de se lembrar do susto.
- Ela respondeu, juro, Majestade.
O rei se desencostou do trono, e, com um dedo em riste, sacudindo-o diante do nariz do moço, falou:
- Vou lá ver isso. Sou curioso. Mas veja lá, se for mentira e tu me fizeres bancar o bobo, eu te mando pendurar na primeira árvore que encontrarmos.
- foi verdade, Majestade – murmurou o moço.
Aprestara, então, um grande cortejo. Ia adiante o rei no seu cavalo branco, ricamente ajaezado, com aperos de ouro e prata. E depois, os nobres, suntuosamente vestidos. E os soldados. Tudo aquilo fulgia ao sol. Bem adiante, caminhava o moço a pé, com as mãos amarradas. Tudo estacou junto à porteira. Parecia uma festa. Os que riam e caçoavam calaram-se ao ver a caveira, tão maligna parecia.
Trêmulo, o moço perguntou:
- Quem te matou, caveira?
A caveira quieta estava e quieta ficou.
O moço pensou que talvez tivesse falado muito baixo. Em voz mais alta, mas insegura, interpelou novamente:
- Quem te matou, caveira?
E a caveira, quieta.
– Quem te matou, caveira? – gritava agora, com os olhos esbugalhados, saltadas as veias do pescoço, e um pavor infinito apertando-lhe o coração.
– Quem te matou, caveira? Quem te matou, caveira?
E a caveira muito branca, luzindo ao sol, em silêncio. O moço perdeu a cabeça, começou a dar-lhe pontapés, o golpe soava cavo, e ele ia atrás dela novamente, de um para outro lado, suando, rugindo.
– Quem te matou, caveira?
Apanharam-no, veio o carrasco no seu camisolão vermelho, fez o nó corrediço com dedos ágeis, e o moço ficou enforcado numa árvore à beira do caminho, enquanto a comitiva voltava, aparatosa mas sem animação, para a cidade.
Ficou tudo em silêncio, no campo. Não passava viv’alma. Decorreram as horas quentes do dia, anoiteceu. Quando se adensaram as primeiras sombras, aconteceu uma coisa extraordinária. A caveira, que não parecia dotada de movimento, rolou um pouco sobre si mesma e veio, aos pulos. Pulou até chegar sob a árvore onde estava o enforcado. E ali, com o feio buraco das órbitas vazias virado para cima, perguntou:
- Eu não te falei que quem te matou foi a língua?
Já nos contos populares de Angola, Héli Chatelain reconta a mesma história, passo por passo, sendo a fala do moço para a caveira a seguinte:
- A estupidez é que te causou a morte.
Mal o moço morreu, enforcado pelos seus pares, a caveira falou:
- A estupidez fez-me morrer e a estupidez matou-te.
O povo compreendeu a injustiça cometida, e finaliza-se assim o conto: “Espertos e estúpidos são todos iguais”, o que não é evidentemente, a mensagem do conto brasileiro. Aqui nós temos a falha do herói, que é a leviandade, levando-o à morte e nós à conclusão de que o silêncio é de ouro.
Por enquanto a lenda está com 70% de aprovação dom discursos e tudo.
Como saber e avaliar quem está ouvindo?
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