Ruth Guimarães
As ruas de uma cidadezinha, lá nos longes. Um conto ouvido de uma velha ama, um ensalmo pendurado ao pescoço do nenê, uma reza que a memória ficou rezando pela voz sempre lembrada de uma avó. Um desafio, um cateretê, bater de pés no chão da lembrança, Santo Antonio, São João, São Pedro, sortes, fogueiras, balões, junho e a magia das noites brasileiras, limpas, nítidas, frias, imensas, de céu todo estrelado. Isto é Brasil. É Pátria. Estão fugindo dela.
Na lenda imortal, Hercules luta com o gigante Anteu, filho da Terra. Para dominá-lo, foi preciso que Hércules o levantasse do solo, pois o gigante hauria força invencível da Mãe-Terra, apenas tocando-a com os pés.
Esse símbolo que aí fica, depois de mais de dois mil anos, ainda é válido para qualquer um de nós. Da terra em que nascemos vem-nos a força. A seiva que circula em nós é o conhecimento íntimo das nossas tradições. Se o estranho, o estrangeiro, um dia tornado inimigo, vier contra nós, teremos o ímpeto de uma arrancada formidável, em defesa da pátria e do lar, se tocarmos este abençoado solo com os pés, se nos apoiarmos no baluarte das tradições.
Preservar o acervo folclórico de uma nação, compreendê-lo e amá-lo, é preservar uma força telúrica – infinita porque se renova a cada momento; invencível, porque liga o homem à terra, de modo que somente a morte os separe;
Autentica porque jamais mente à natureza profunda da criatura;
Eficiente, porque traz a sabedoria que nos permite escolher o caminho mais certo;
Maravilhosa porque nos impele a nos realizarmos totalmente, trazendo-nos felicidade, a felicidade;
Envolvente porque tem a magia das coisas afins;
Sábia, porque nos dirige, de acordo com as nossas tendências;
Plena, porque nos satisfaz inteiramente;
Verdadeira, porque responde às mais profundas inclinações do espírito;
Suave, porque são laços de amor.
Muito suaves e invencíveis, porque são laços de amor.
De repente, e não mais que de repente, como cantou o poeta, eu me dou conta (e o mesmo deve acontecer a outros), que um número considerável de brasileiros está fugindo de casa. Não se trata de ninguém abaixo da linha da miséria, pelo contrário. Filhinhos de mamãe, classe média, da média e da alta. E lá se vão, em alegre revoada. Vão para a Europa ou para os Estados Unidos. Pensarão em estudar outra língua, em aprender, em acrescentar ao seu cabedal de conhecimentos a valiosa experiência? Em que pé estão os negócios da sua mente e da sua alma? Vão vender sua mão-de-obra como qualquer imigrante. Vão lavar banheiros de clube, ou entregar pizzas. Nada contra o trabalho dito braçal, que sem este tipo de trabalho não haveria mundo. Mas que ele seja subsidiário do espírito. Esses que voltam, trazem o que a não ser dinheiro? O brasileiro de torna viagem, quando volta, se volta, qual será sua bagagem?
Muito se fala de amor, e até falar de amor já se tornou profissão. Mas que é isso que deram de chamar de amor?
Não irei conceituar o amor. Deus me livre. O próprio Camões, que como poeta, devia entender desse sentimento inominável e incompreensível já dizia que “amor um mal (mal?) que mata e não se vê. Que dias há que n’alma me tem posto um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, dói não sei porquê.
Isso é o amor humano, de gente. Mas nós estamos falando do amor da Pátria. Do defunto amor da Pátria. Dos brasileiros fugitivos.
E Pátria, o que será?
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