segunda-feira, 6 de maio de 2013

O índio da minha terra

Ruth Guimarães 

Na minha terra, talvez haja alguns descendentes de selvagens indígenas, os bravos tupis. Caboclos até já se perdeu a denominação. Cabocla Teresa é música sertaneja, quase folclorizada, de que já se perdeu a identidade e a origem. Apesar de conhecermos seu autor. Saberá ele do que ele mesmo está falando? Tenho certeza de que 99,5% dos habitantes, que são mais ou menos uns quarenta mil, nunca viram um índio, a não ser na TV ou nas revistas que aparecem por aí, diz-que brasileiras. Temos um dia do índio, não sei pra quê. Eles estão lá nos seus redutos. Donos de um despotismo de terra e nem sequer donos de si mesmo. Desassistidos e desconhecidos. Como raça assassinados. 

Quero dizer. Para nosso descrédito. Índio não existe. 

Antigamente havia um índio, o único espécime, na minha terra. Como tudo que é típico, ali, inclusive alguns costumes, era gente da Bocaina que dava o tom. De lá da Bocaina aparecia um índio, chamado Salvador, sabia fazer o “em nome do Padre”, era magro, marrom, de nariz adunco, e do pé espalhado. Trazia para venda uns balaios trançados, desses balaios de pôr galinha pra chocar, umas esteiras de palha de bananeira. Vestia sempre umas calças de brim azul mesclado e camisa aberta ao peito. Chamava a atenção era quando descia a serra com um casalzinho de defunto-mirim, rústico, feito de taboas de caixote. Vinha a pé, que ninguém ia dar carona pra aquele índio brabo, calado, de cabelos jogados nas costas, que não dizia um ah pra ninguém. O defuntinho achavam que era filho dele. E o pai vinha soltando foguetes, desde o alto da serra. A explicação do foguetório era ter morrido um anjo, e que ele Salvador, o pai, estava festejando a entrada de mais um anjo no céu. Daí, concluia-se que Salvador deveria ser classificado como um desses corumins que as associações de missionários católicos, criavam em orfanatos. 

Aconteceu que tive de ir a Goiânia por causa de pesquisa e de trabalhos chegamos bem a tempo de assistir as corridas a pé que incluíam índios das tribos visinhas. 

A arrancada foi uma epopéia. Nos primeiros minutos, o selvagem mais cotado estava longe, leve, ligeiro, pé-de-vento, vôo, flecha, corisco, lá se foi. Sabia o itinerário e não havia competidor para ele. Mas o sol estava quente, sem caça á vista, sem inimigo a perseguir, sem índia bela de lábios de mel e passos de gazela, sem concorrentes que ficaram para trás arrastando trôpego um aparelho locomotor lerdo e emperrado. Ele parou. Estava numa praça, sombreada pelos flamboaiãs; verde, ampla, florida, fresca, toda alcatifada em verde-gaio, toda linda e oferecida. Água leve de cristal cintilante escorria. O índio bebeu. Deitou-se na grama. Sorriu. Relaxou os músculos. Dormiu. Sono tão bom, tão ferrado, que não ouviu a gritaria da multidão, as aclamações ao vencedor; E acabou-se a festa. Lá para as tantas acordou e já saiu correndo. Que é isso? Aonde vai? E ele, feliz: Ganhar a corrida! Difícil ensinar ao índio que tudo nestes páramos tem que ser dentro do horário. 

Impossível paga-lhes tudo que já lhe devemos.

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