segunda-feira, 27 de maio de 2013

O Velho Paraíba

Ruth Guimarães

Quando o Paraíba era vivo, foi estrada e celeiro. Seu leito tem uma grande extensão navegável, desde Cachoeira Paulista, onde começa o caminho de pedras para o Rio de Janeiro, até Jacareí. De Cachoeira Paulista, há muito e muito tempo, partia um barco para Lorena. Lembro-me até do dia: às quartas-feiras! Carregado de lenha e de orquídeas e voltava com mercadorias diversas, entre elas açúcar do engenho central. De Lorena para Jacareí também a via fluvial era percorrida regularmente. Ao todo, mais de 200 quilômetros de uma via utilizada nos países desenvolvidos, porquanto não necessita de reparos, nem corre o risco de barreiras, não tem buracos, nem se estraga com as chuvas. Uma vez arrumada e posta em uso, é para sempre.

O barco foi substituído pelo caminhão e pelo ônibus. O alegre rio de águas claras, exceto na estação chuvosa, quando corria barrento, virou esgoto e despejo de fábricas, em toda a sua extensão. Bois, cavalos e cachorros mortos, aves, cereais estragados, mercadorias inaproveitáveis, dejetos, lixo, tudo foi despejado no velho rio. Substâncias poluentes acabaram com os peixes.

E assim, nem caminho, nem água boa, nem alimento.

Em Guaratinguetá se comia peixe do Paraíba pescado no lugarejo antes chamado Salto e Engenheiro Passos, e que foi inundado para retificar um trecho do rio. Verdade que o perigo das enchentes diminuiu. Mas, junto das cidades, e o peixe? Sabemos que ainda há a barragem dos Mottas, uma lagoa, onde é bom de se pescar. Eu não sei, nunca fui lá. Mas peixe vivia em todas as águas, a gente não precisava procurar.

As cidades ribeirinhas, com água ali mesmo, tiveram que trazer água da serra, longe, encanamentos caros, serviço a um preço proibitivo. A última consequência de tudo isso que vimos está aí: a SABESP, pois que os municípios não têm condições de buscar a água lá longe, ou de tratar convenientemente a que está perto.

E ainda se bebia água do Paraíba. Em Aparecida, por exemplo, a água era colhida no porto do Itaguaçu. Hoje eu li no jornal (n’O Vale, talvez?) que 1 bilhão de litros de esgotos domésticos, quase sem tratamento, são despejados todos os dias, em um dia, um bilhão de litro, nos rios da bacia do Paraíba. E essas nossas cidades nem têm esgotos, que fará tratamento de esgoto. Já há 30 anos havia uma perigosa vizinhança no porto de Itaguaçu, de bocas de esgoto, mas a água era ali.

A infraestrutura sanitária, de tremenda importância para a sobrevivência dos municípios, deixa a desejar, nas cidades do Vale. Esperamos as tais estações de tratamento de lixo. Esperamos o fim da poluição do rio, que é a sua artéria. Esperamos saneamento, em todas as suas formas. 

E esperamos o milagre da multiplicação dos peixes, o alimento do pobre. Providências governamentais a respeito dos peixes tivemos, duas que eu saiba: a semeadura de ova de dourado, que a poluição consumiu, e de ova de tilápia, para a destruição do caramujo – hospedeiro dos vermes provocadores da esquistossomose.

Por enquanto, semeamos o peixe e semeamos a poluição, e ficam elas por elas, isto é, o saldo é zero.

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