segunda-feira, 27 de maio de 2013

O Coelho e a Onça

Ruth Guimarães

O coelho saiu da mata, por um dia de sol quente, e foi aos pulinhos, até que chegou ao casario. 

Imaginava ser a maior cidade do mundo; em verdade, não passava de um povoado: uma rua comprida, algumas ruazinhas transversais, casinhas brancas e jardins. Deparou com uma linda moça de tranças e ficou por demais enamorado.

- Você quer casar comigo? - foi logo perguntando; era muito estabanado, como todos os coelhos. 

Para se mostrar e fazer fama, cada vez que conversava com a moça, com os cunhados, com os novos amigos, introduzia na prosa, como quem não quer, umas indiretas, dando a entender que era valente e capaz. Desta maneira, foi-se criando em torno dele uma expectativa; toda a gente à espera de que praticasse grandes feitos.

Vários meses depois, o coelho descobriu que tinha um rival perigoso. Era a Onça, uma onça-macho, macota, grandona, pixuna - cada manchona preta no pêlo de cetim preto!

- Não é que esse cara está querendo roubar minha noiva? Essa não!

O coelho escarafunchou a cuca, para ver se dali saía uma idéia brilhante, alguma coisa para torná-lo famoso em valentias. Enfrentar a onça, brigar a murro, a unha, a dentada, nem pensar! Onça é onça. E coelho... Bem, não é nenhum mocinho de cinema, e, de coragem, não é lá essas coisas.

Ele começou a boquejar, por toda parte, que não tinha medo de onça nenhum, que ainda ia aparecer na cidade, montado no rival, com brida, espora, arreio e tudo.

- Onça, meu rival, não! Meu cavalo!

Estufou bem o peito e repetiu a bravata.

Foi uma risada universal. Duvidavam porque duvidavam que aquele porcaria de coelho fosse capaz de uma proeza dessas. A bicharada caçoava com vontade, e a fama dele, com isso, não melhorou em nada.

Pensou que mais pensou, foi para a beira do caminho, no domingo de dia, e ficou ali, jururu, esperando o rival sair da toca. Lá às tantas, a onça, que tinha caçado a noite toda, acordou, espreguiçou-se e caminhou para o povoado. Logo, deu com o coelho, acabrunhado, um lenço passado por baixo do focinho e dando uma laçada por cima da cabeça.

- Qué isso, meu compadre Coelho? Que foi que lhe deu?

- Uma dor de dente, meu vizinho, que estou em tempo de me acabar. Estou ficando louco...

- Já pôs remédio?

- Já. Já pus pimenta-do-reino, já pus leite de aloé...

- Amarrou um dente de alho na perna? Diz que é bom.

- Já. Ai, vizinho! Ai, ai, ai, que eu não agüento mais...

- Não será bom arrancar esse dente?

- Eu estou indo pra cidade, mode procurar um entendido, mas não deu pra pegar o meu cavalo.

E a onça, desprevenida:

- Por isso, não, compadre! Suba aí no meu lombo. Eu sou grande, e você é uma isca.

O coelho se fez de rogado.

- Não, vizinho. Eu não sou capaz de um abuso desses.

- Ora, sai pra lá! Amigo é pressas coisas!

O coelho gemeu, gemeu, protestou que, se não fosse a dor-de-dente...

- Eu não ia mesmo lhe fazer isso...

E foi tratando de puxar a Onça para perto do barranco e ir subindo pelo lombo acima, Assim, lá se foram Onça e Coelho, num balango seguidinho, tão gostoso, dig den dig den dig den, que o coelho cochilou e sonhou que era verdade mesmo aquilo que estava acontecendo.

De repente, acordando, fez que estava escorregando pela anca da alimária abaixo e rogou:

- Vizinho, se não fosse pedir demais, eu estou escorregando, seu pêlo é uma seda, é muito liso e fino, eu podia le pôr o freio?

A onça deu um bufo e um pinote e parou. O coelho estava tão humilde, com uma cara tão de mártir, que cedeu:

- Vá lá! Mas, quando for chegando no povo, tire isso, tá?

E lá se foram, no trote. Mas adiante, o coelho tornou a pedir:

- Posso pôr o arreio para sentar?

A onça tornou a bufar e espinotear.

- Você não acha que está querendo demais?

- Estou tão mal! Ainda tenho que segurar o arreio com uma mão e o freio com a outra, não agüento...

Depois de grande discussão, pode, não pode, você pensa que eu sou cavalo, eu vou prestar um favor e é esse desrespeito, deixe disso, vizinho, eu não quero ofender, e vai-e-vem e o coelho, numa vozinha muito lamurienta:

- Deixe, vizinho, eu vou a pé. Você já me ajudou muito...

A onça, compadecida, concedeu:

- Vá lá, compadre! Assim, como assim, com arreio ou sem arreio é tudo a mesma coisa. Ponha a sela, que isso não vai me matar. Mas, antes de chegar na cidade, pelo amor de Deus, tire esses mangalhos de cima de mim, que não quero servir de caçoada do bicharedo todo.

E lá se foram, plequeté, plequeté, até o início do povoado. Quando apareceram as primeiras casas, o Coelho, no repente, riscou a Onça de espora, com o que a bicha deu um prisco e foi corcoveando pela rua afora, sem conseguir derrubar o Coelho, grudado às suas costas, que nem carrapato.

E ele gritava assim:

- Venha ver, gente! Ói a Onça, meu cavalo!

Isso, antes de dar um baita pulo pra baixo e sumir no mato, no fim do arruado.

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