segunda-feira, 27 de maio de 2013

Macaco - apresentação

Joaquim Maria Botelho - 2008

“O macaco senta em cima do rabo para falar do rabo dos outros”. 

Personagem que provoca o riso fácil, não o escárnio pelo grotesco de Rabelais, mas o riso quase psicanalítico promovido pela identificação, pela semelhança, de Bergson. Rir do macaco é rir do duplo, do espelho, do outro em mim, de mim no outro. 

O macaco é o homem tornado homenzinho, tornado duende. Uma constatação, aqui, mais filosófica do que darwiniana. Estamos falando de literatura, pois não?

Franz Kafka escreveu um conto quase surreal, chamado Um relatório para uma academia. É a história de um macaco capturado na África e levado de navio para a Europa. Durante a viagem, os homens se aproximavam de sua jaula, para observá-lo. E o símio, por seu lado, os observava igualmente. Por fim, decide tornar-se humano, porque entende que seria a sua única maneira de sair da prisão. Aprende a fumar cachimbo. Aprende a tomar aguardente. E afinal aprende a falar. É uma narrativa mordaz, mas cheia de comicidade. De novo, o riso. 

A metáfora da transformação foi, de certo modo, recuperada pelo ficcionista científico Arthur C. Clarke, morto neste começo de 2008, no seu clássico “2001: Uma Odisséia no Espaço”, levado para as telas por Stanley Kubrick. Numa das cenas mais concisas e expressivas do cinema, o macaco, nosso antepassado ancestral, agarra um osso e o lança ao espaço; girando, o osso é transmutado em uma nave espacial, num salto em que segundos representam centenas de milhares de anos. Aí o macaco não se torna apenas homem, mas avança para o estatuto de herói. 

Os chineses, povo tão antigo que teve tempo de analisar todas as coisas sobre e sob a terra, deram a um dos elementos do seu zodíaco o signo do macaco. E assim descrevem os chineses as pessoas que nascem sob este signo: são bem humoradas, inteligentes e astutas; são malandras, muitas vezes charlatãs capazes de extrair tudo das outras pessoas, com o seu encanto inimitável. As pessoas do signo do macaco têm, em geral, complexo de superioridade, e podem ser egoístas, invejosas, fúteis. Mas os próprios chineses reconhecem que o macaco não é mau. É, diferentemente disso, como uma criança preocupada consigo mesma, deliciando-se com suas próprias espertezas. 

Nos racontos apresentados aqui, Ruth Guimarães faz um mosaico da presença do macaco no fabulário brasileiro. O emblemático macaco é mostrado, não raro, como o malandro, o pícaro, o embromador, o que leva vantagem. É o homem falando do macaco, mas sentado em cima do próprio rabo ancestral. 

Lembra-me a fábula em que o leão, passando por umas ruínas, vê uma estátua de um caçador estrangulando um leão com as mãos nuas. O leão observa a escultura, faz muxoxo de desprezo e filosofa: “Ah! Como a estátua seria diferente se os leões pudessem esculpir!”

E o que seria de nós se os macacos soubessem escrever histórias?

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