segunda-feira, 27 de maio de 2013

Mortes

Ruth Guimarães

Estivemos em presença de várias blitz contra a AIDS, com grandes manifestações, programas de televisão com muita abertura de conversa e de linguajar, onde se diz tudo, os moços contam e recontam coisas íntimas, com muito do estilo da época chamada achismo: eu acho, eu não acho, mas a conclusão é melancólica. O esclarecimento se limita a uma frase no imperativo: “use camisinha!”

Ora! Há coisas bem mais bonitas para se dizer aos moços.

Eu me pergunto: o que estamos fazendo de eficiente, de elevado, de útil, de bom, a favor da humanidade, e, em especial, da juventude?

O que é contrário ao instinto de conservação? A morte. 

Há uma grande parte dos humanos que tem embotado o instinto de conservação, principalmente em épocas difíceis de crise, como a nossa. Deus está morto, alguns não enxergam a luz no fim do túnel, não sabem o que fazer nem para onde ir, não os guia uma boa educação, nenhum ideal, nenhum objetivo mais alto, nem as normas de uma sociedade já corrompida. Esses não têm modelo familiar, nem social, nem indicação segura dos pais nem dos homens públicos. A esses, primeiro amortece-os a indiferença, depois disto tornam-se presa fácil de Tánatos, a Morte. Entregam-se à bebida: é a morte. À droga: é a morte. À indignidade: é a morte. À corrupção: é a morte. À promiscuidade: é a morte. Quem os arrancará do tremendo atoleiro? Quem os dirigirá à luz, à alegria, à vida? Como acender o farol que guia os navegantes, nessa noite sombria? É a isso que me refiro e não me refiro a sexo. Mas também estou falando de sexo.

Naturalmente não vamos ficar à beira do abismo, gritando de cá que isso não se faz, que não deveriam ter ido na direção do pântano, uma vez que não conhecem o caminho. É claro que teremos de lhe atirar uma corda, ou um pau, que o náufrago, o perdido, suba e saia, e seja salvo. Como dizia Maeterlink, quando vem a grande enchente o mais urgente é salvar os tarecos do moleiro, mas o mais sábio é providenciar para que a enchente não alcance o moinho. 

Não façamos como os políticos que julgam mais urgente conquistar o voto.

E o mais sábio? O que é mais sábio? Quem vai cuidar disso?

O mais urgente é salvar da doença venérea, da AIDS. O mais sábio é acender a luz bem antes do abismo, é sinalizar o caminho que beira o pântano, é, principalmente, eliminar a curiosidade fatal do passante, curiosidade que o faz ir ver de perto a sombra sinistra.

O mais sábio é impedir por meio de umas tantas providências, das quais a base é a educação, que o passante incauto se apaixone por Tánatos, a Morte, em qualquer das suas sombrias, mas atraentes, manifestações.

Primeiramente, há gente demais caminhando diretamente para o abismo. Segundo, há os melancólicos, os frustrados, os tristes, os mal amados, os covardes, os rejeitados, que a impiedosa competição atirou para um canto e que, não tendo orientação, nem guia, nem modelo, nem quem os ame, vão se apaixonar pela morte.

É muito mais fácil não buscarmos o equilíbrio, não nos disciplinarmos. Andar em posição ereta dá trabalho. A curva é a linha mais suave. Encostar nos relega a um mundo escuso, mas inquestionavelmente gostoso.

Mais fácil o entregar-se que lutar.

Quem nos ensinará como é bela a vida e como é revitalizante a luta?

Parece que é uma atitude natural no moço a atração da morte, talvez para corrigir o excesso de vida que surge com a mocidade. O amor da morte. Amor e morte. Que não se faça essencial o que é simplesmente um atributo.

Na época romântica, como foi colo macio a morte! Como se morreu de amor! Como parece atraente a idéia dos pactos, da aura de martírio e mistério que encobre a fascinação letal! Ao povo a morte atrai e fascina. Basta ligar a TV para saber o que dá Ibope: os grandes crimes, os desastres horríveis, estupros, sequestros, tiroteios, tortura. E o sexo. E sexo no seu lado mortal. No seu lado trevoso. Não o que traz a vida, mas o que traz a destruição. O coito ocasional e gratuito, sem função, sem finalidade, sem responsabilidade, sem respeito, sem amor.

Ora! Use a camisinha! E com isso, não evidentemente o ato em si, porém com a atitude completamente negativa, vêm a curva, a entrega, o torpor, a bebedeira, o vício, o ócio, a doença, a morte. E com tudo isso cresce o número dos homens impotentes, das mulheres frígidas e dos aidéticos.

Acredito que muitos se dirijam alegremente para os pântanos apodrecidos, levados pela curiosidade. O moço age como se não tivesse corpo, isto é, um corpo atuante, vivo, enérgico, independente, que depois de ter sido satisfeito umas duas ou três vezes se apodera das rédeas. Torna-se um nosso robô. Um robô bem pouco satisfatório. Escrachador de todas as leis da robótica, prejudica o dono, leva-o para onde ele não quer ir, e o mata, se matando. Vede os bêbados. Vede os drogados. Vede os incontinentes de todos os níveis. Olhai bem para os gordos!

Ou seja: o moço age como se mandasse no corpo, mas, realmente, para desdita da inquieta humanidade, nós não mandamos nada, nosso corpo manda na gente, nos obriga aos papéis mais idiotas, às situações mais constrangedoras, aos ridículos, acaba fazendo o que bem entende de nós, que sufocamos a alma lá no fundo, no id, no inconsciente. A não ser que.

O povão sabe disso. Os ditados: o fogo perto da palha, brincar com fogo.

Viver faz parte de um sistema que a criatura não domina, nem determina, se não tiver orientação. Temos contra nós o medo, a timidez, o preconceito, a repressão, as autoridades, as situações, o amor-próprio, a bio-química, os instintos. Somente nos redime a liberdade. E a liberdade não é fazermos o que queremos, pois que isto nos leva fatalmente a fazer o que não queremos. Liberdade consiste em auto-disciplina, força da alma, essa mestra e senhora do corpo, seja onde a vida atua, toda poderosa. E é toda poderosa.

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