quinta-feira, 9 de maio de 2013

Era uma vez um príncipe

Ruth Guimarães 

Todos os jornais noticiaram: Príncipe Naruhito vem ao Brasil. Em 2008 desta vez. O imperador Akihito e a imperatriz Michiko vieram ao Brasil três vezes, era o que dizia a reportagem. Em 1967 o príncipe-herdeiro Akihito e a princesa Michiko visitaram o Brasil pela primeira vez, com uma recepção que lotou o estádio do Pacaembu. Em 1978 participaram das comemorações pelos 70 anos da imigração, novamente lotado o Pacaembu. 

Em 1997 o casal imperial voltou ao Brasil, provocando grande emoção na comunidade. E em 1998, a comunidade nikkei de todo o País comemorou com festa os 90 anos da imigração, com a presença da última sobrevivente da primeira leva de imigrantes, Tomi Nakagawa. 

Naquela primeira vez, lá, em 1967 eu poderia ter ido ver a festa para o príncipe, mas não fui não. 

Eu não fui ao Pacaembu, fiquei com preguiça, ver a homenagem que se prestou ao príncipe que nos visitava. Ele ficou para mim mais ou menos como os príncipes de contos de fada, o príncipe e sua princesa, e posso pensar neles em coloridos quimonos, com roxos azuis e lilases cintilantes, e vermelhos e pretos e amarelos, ela com o rosto branco, de olhos puxados, sobrancelhas de retroz, rostinho de boneca e a onda pesada do cabelo preto e em rolos sobre a cabeça miúda. 

Tudo ao contrário da realidade. 

Porisso não fui lá. Vi daqui mesmo da minha janela. 

As nuvens no céu figuravam dragões de asas abertas, temerosos, soltando fumaça pelas narinas. Havia até flores de macieira, atrás, na paisagem de neve. Então não fui. Pareceu-me ofensivo e pouco de acordo com a cortesia ir olhar para o príncipe, como se vai ver um pavão dourado, um quadro que vale milhões, uma baleia que encalhou sem querer na areia, um faquir que jejuou cem dias. E acima de tudo tão melancólico o príncipe e seu povo de sombras, aqui neste outro mundo, com um oceano, uma vida, e uma escolha de permeio. E uma impossibilidade. Também pode ser um pouco de inveja. Sei de uma porção de gente que foi para lá, povinho alegre, de olhos rasgados, e muitos sorrisos e reverências, foi o João Nomói, aquele que caça pintassilgo com anzol iscado com lambari, e o Álvaro Japonês e o Seitaro, zagueiros do nipo de Suzano, que são a avalanche do futebol da várzea, e o seo Watanabe da quitanda, o Azuma farmacêutico. E o Taira, o melhor atleta do ginásio, e todos os Hakashima, e Massuda, e Nogami, e Tani e Siotani, e Kobaiashi e Hirabaiashi, todos. Eles têm um príncipe. Nós temos o D. João de Orleans e Bragança, mas esse tirante o café soçaite ninguém foi ver. Foi inveja. Não fui. 

Quando conheci uma colônia de japoneses pela primeira vez e tive diante de mim cinqüenta japonesinhos, nos bancos escolares, seus nomes, um bocado difíceis de ler eram Toshio, Tsushia, Ikuko, Tieko, Harumi, Midori, nomes lindos que queriam dizer, conforme me diziam às vezes: Primavera, flor de macieira, o amor que chega no verão. 

Dezesseis anos depois, devem ser os filhos da Tieko, e do Minoru e de Mineko e de Yuzuru, estão se chamando, sem significado nenhum, Ednéia, Marlene, Susana, Maria Lúcia, e Shirley, e há um Frank. E outro Ramilfo, e eu não gostaria, por isso não fui, de olhar para o príncipe e adivinhar através da máscara impassível do futuro soberano, o seu desgosto ao ser apresentado a um súdito chamado Benedito Massanori, e como lhe estão fugindo esses súditos todos e já se foram, a começar pelo nome.

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