quarta-feira, 8 de maio de 2013

De brasilidade

Ruth Guimarães 

Cidade não havia. Nem vila, nem nada. Nem rancho de tropas. Um correr de casinholas, e um despotismo de terra, tudo junto denominado Sapé, e onde houve por bem o governo instalar um cartório, foi o máximo que se fez, entre fazendeirada de café e mandioca. E mais umas vaquinhas, para darem conta do capim. Mais para baixo, nos campos da Bocaina, o arraial de Santo Antonio da Bocaina, com uma igreja do Bom Jesus na várzea, perto do Rio Paraíba. No topo do morro em meia laranja a Igrejinha de Santo Antonio e um rancho de tropa, onde faziam ponto, para dormir e comer os tropeiros que vinham de Sorocaba e iam para as Minas Gerais. E havia mais? Sim, havia: a Olaria do Zé Miguel, com umas casinhas em volta e mais dois casebres beirando o Paraíba. Nos fundos deles umas canoinhas amarradas. 

A cidade acaba de nascer. Surgiu do nada. Rompendo morros e caminhos, ao rolar das ferragens barulhentas do primeiro trem de ferro que vem do Rio de Janeiro, Estrada de ferro Central do Brasil, chamada, trazendo no seu bojo esses homens de uniforme azul-marinho e bonés de galão dourado, e aqueles sapatos de cor marrom e branco. E o andar, balanceado, santo Deus! e aqueles rrrrr rolados na garganta, e o chiado dos sssss, tão diferentes dos caipiras de Sorocaba!!! 

Pois é isso! A minha cidade nasceu de ponta de linha, viveu muitos anos de trens apitando e subindo morro e acolheu as tripulações cariocas das máquinas monstruosas, ofegantes vindo para cima da gente como se quisesse nos banir da face da terra. Mas eram os gigantes benfazejos, que nos levou a subir e esquecer e vir com aquele apelido escachoante e suave de Cachoeira, tomado de empréstimo ao cachoeirão, dos Campos da Bocaina. 

Cachoeira teve seus homens ilustres. Um deles foi Valdomiro Silveira, nascido no Embauzinho, bairro velho de Cachoeira Paulista. 

Admirado por Olavo Bilac e Euclides da Cunha, Valdomiro Silveira ajudará a fundar a Academia Paulista de Letras, nela ocupando a cadeira número 29, depois de ter se recusado a se candidatar à Academia Brasileira de Letras. Em 1905 casa-se com a paulistana Maria Isabel Quartim de Morais. Em 1933 foi eleito deputado federal pela Chapa Única “por São Paulo unido”. Foi secretário da Educação e Saúde Pública, a convite do dr. Armando de Sales Oliveira. Depois, secretário da Justiça e Segurança Pública. Suas sérias intervenções em plenário, suas orações em forma lapidar, sua bondade simples e escolhedora, o elevaram à Vice-Presidência e à Presidência da Assembleia Legislativa. 

Publicou quatro livros: 

Os Caboclos 

Nas Serras e nas Furnas 

Mixuangos 

Lereias 

Rubens do Amaral comenta: “Os contos de Valdomiro Silveira são lavores pausados, sentidos e trabalhados com zelo e honestidade, com talento e amor, para que fiquem. E ficarão, como momentos de literatura paulista, plantados na rocha de Piratininga, sólidos na sua estrutura, luminosos na sua beleza e na sua espiritualidade.” 

Em artigo de 1941, o mesmo Rubens do Amaral afirma que “...quando estiver formado o idioma nacional (partindo do português) Valdomiro Silveira será considerado um clássico na língua.” 

Valdomiro Silveira foi poeta? 

Conta-se que quando ele nasceu, um sabiá cantava delirantemente, na galharia do pomar. 

- que guapo! Disse o avô espanhol – Nació um poeta! 

Entretanto ele não foi poeta a não ser bissexto, rara e intermitentemente, enquanto adolescia. 

Bernardo Elis vislumbra Valdomiro Silveira em Guimarães Rosa, como influência marcante, nos contos “Quarenta Anos”, de Mixuangos, sugerindo “Sarapalha”, ambos com o tema da decadência física, econômica e moral, que irmana os seres humanos. “São Marlos”, de Guimarães, lembrando “Sonharada”, de Valdomiro. “Burrinho Pedrês” e “Conversa de Bois” são bom na linha valdomiriana. 

É o próprio Guimarães Rosa que confessa: 

“não houvesse existido Valdomiro Silveira e não existiria Guimarães Rosa”. 

Diferentemente do Autor de Sagarana, no entanto, e de Lobato, que têm uma visão sarcástica do caipira, jamais Valdomiro escarneceu dos nossos irmãos roceiros. Encara-os com serena dignidade, e comovido. Sua foi a primeira tentativa de fazer uma obra de arte do linguajar caipira. A reedição de suas obras, o interesse por seus trabalhos, a colocação dos seus contos em antologia, atestam a perenidade da sua arte.

Um comentário:

  1. É o próprio Guimarães Rosa que confessa:

    “não houvesse existido Valdomiro Silveira e não existiria Guimarães Rosa”
    Demais!!!!!!!!

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