Ruth Guimarães
Uma carta de Luís da Câmara Cascudo, o eminente folclorista de Natal, foi a gênese deste artigo.
"... Certo não precisa descrever a coreografia — pormenorizou ele —para não estirar muito o artigo. Era apenas um trabalho seu que simplificaria consultas de muito bicho doido que anda estudando por palpite. Sabia-se logo de algumas danças no Vale do Paraíba, paulista".
E estas palavras me projetaram mentalmente para a região impropriamente chamada Norte de São Paulo ou seja, a parte servida pela Central do Brasil, cujo percurso é feito à margem do rio Paraíba.
Congada
é a mais típica e a mais frequente. Sua maior incidência no Vale se dá (por ordem de importância) nas cidades de Taubaté e arredores, Guaratinguetá e arredores, Mogi das Cruzes e Aparecida do Norte. Menos frequentemente pode ser encontrada em todas as cidades do lendário Vale. E é verificável também a sua existência na cidade de São Luís do Paraitinga, entre outras danças raras e interessantes.
Conhecem-na com o nome de congada ou conga, é dançada por homens vestidos a caráter, denominados congos ou congueiros. Em Piracicaba, segundo registro de Rossini Tavares de Lima são chamados congadeiros.
É dança coletiva e os instrumentos musicais ocorrentes eram primitivamente o tambor, ou tambu, e o tan-tam. Hoje são usados nas congadas: viola, violão, cavaco, pandeiro e tamborim. Violões e violas formam a parte melódica do conjunto assim como também o grande coro masculino.
Dançam-se congadas durantes as festas de igreja, principalmente a de Santa Cruz a 3 de maio, do Divino, do Bom Jesus e de São Benedito, quase sempre em datas fixas, exemplo na do Divino, que ora é festejado a 6 de agosto, com o Senhor Bom Jesus, ora a 6 de outubro, ora no mês de junho. A festa de São Benedito, em Guaratinguetá, é celebrada na segunda-feira seguinte ao domingo da Páscoa, data em que os italianos em São Paulo festejam a pascoela ou pascoeta.
As figuras características da congada são: o rei e o general. Os congueiros vestem, geralmente, túnica verde ou cor de rosa, calças brancas, usam fitas pregadas na blusa e chapéu de palha enfeitado de fitas ou pintado quebrado na testa. Calçam chinelo, ladrão, botina ringideira e alguns dançam descalços.
O primeiro movimento, que podemos chamar movimento de chegada, é na congada a marcha batida, que apesar do ritmo de marcha é colorida, bamboleada, tem certa moleza, certo dengue, uma espécie de degenerescência, a sensualidade doce e cálida, própria do mestiço do subtrópico.
O que recebe a designação genérica de congada, é realmente uma sequência e uma cadeia de movimento. O passo e o ritmo são sempre os mesmos, porém o desenho formado pelas deslocações no grupo, retrai-se, alonga-se desmancha-se e, em seguida se refaz a cada minuto. Como um inédito caleidoscópio humano. Para colocar a congada no seu verdadeiro lugar, é preciso considerá-la como uma sedimentação de elementos diferentes, sobre um fundo básico negro. O que nela persiste do que podemos chamar substratum é o passo de dança, primário, que lembra vagamente o samba e o emprego de tan-tans com ritmo simples.
Se bem que os bandos sejam compostos de congos ou congueiros, nome que indica claramente uma origem africana, e portanto mais próxima dos reisados, a organização e a disposição dos homens no bando é tipicamente militar. O nome — congada — é expressivamente da tradição negra. Assim também a terminologia restante, que é muito pobre. Cada bando é chamado pelos próprios componentes de "batalhão". Há mais aproximações evidentes com as disposições militares, na congada. O uniforme, por exemplo, é uma fantasia parecidíssima com a farda da antiga milícia nacional. Em certos congos o bando usa quepe, em lugar do chapéu quebrado na testa dos congos do Vale e da zona de Atibaia.
Se no estado de São Paulo se fazem combates simulados a arma branca em Minas vão na frente do grupo dois soldados cruzando espadas a cada passo. No princípio da dança, os bandos se colocam em forma, à feição dos antigos quadrados de infantaria inglesa. Um homem sozinho na frente carrega o estandarte de São João ou de São Benedito.
Outro pormenor típico, para identificar influências nas congadas é o fato de ser uma dança só para homens. Raramente aparece uma imperatriz, em algum grupo de congueiros, e, no Vale, não há notícia de nenhuma.
O congueiro general se veste de maneira igual aos demais congueiros, mas tem certo ascendente, sua diferença é de função.
O rei tem função puramente decorativa. Às vezes carrega o estandarte do santo padroeiro da congada, São João ou São Benedito. Em outras congas, carrega apenas o cetro, representado por um guarda-chuva e caminha apagadamente entre os súditos. Veste um terno comum e tem, de rei, uma capa vermelha de seda, uma coroa de papelão pintado, colocada sobre um lenço branco, na cabeça e o cetro.
A primeira parte da congada é dança propriamente dita. A segunda é a Embaixada espécie de auto popular, declamada, entremeada com cenas de dança, combates, e a repetição insistente de um refrão. Porém isto já é outra história.
Já conhecia este texto maravilhoso!!!
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