quarta-feira, 8 de maio de 2013

Chão de Estrelas - II

Ruth Guimarães 

Para falar inteiramente a verdade, não me foi surpresa nenhuma saber da morte de Orestes Barbosa. Isto é, foi, eu pensei que ele já tinha morrido. Pois vivia apagadamente, num canto qualquer, por aí, sem saber de ninguém e ninguém saber dele, vagamente submerso sob a música nova, o inimitável criador de Chão de Estrelas. Sem dúvida jamais teve a popularidade que suscita as manchetes em caixa alta nos jornais, embora lhe fosse a deusa Fama propícia. Como o caboclinho que lhe interpretava as melodias, jamais que se tornou desses ídolos de parar o transito e de precisar de proteção policial. Vinha no seu cantar suave, meio rouco, violão em baixo do braço, seresteiro, O Sílvio Caldas das noites cariocas. Chão de Estrelas era uma espécie de hino nacional dos morros. “Minha vida era um palco iluminado, e eu vivia vestido de doirados”, era assim que o poeta se descrevia, definindo-se afinal como um palhaço das perdidas ilusões. Pertencia como sabemos a um neo-romantismo, muito palavroso, pois que foi da geração do muito falar e da abundancia de adjetivos. Os sentimentos transbordaram e extravasaram. Quando todo o dicionário não bastava, inventaram-se palavras. Tempo de reflorescimento e de uma linguagem que, para falar caridosamente, bem que precisava de poda. Perolário surgiu nessa ocasião. E alma perenal – ninguém conhecera tal adjetivo antes, o que não importava grande coisa, pois alma também ninguém sabia o que era. E ainda não sabe. Mas serviam para dizer do muito que havia no coração essas palavras lindas e importantes. A diferença entre aquela geração e esta, é mesmo essa: uma fala demais e outra de menos. Paulo Rónai se admirou já da geração sem palavras, confinada ao nenhum pensamento, por falta de expressão e mais propriamente de vocabulário. Muitas são as causas, em principal a falta de leitura, mas não vamos de maneira nenhuma entrar nesse assunto outra vez. Consola-nos o coração saber que o poeta de samba teceu com palavras docemente exageradas um brilhante diadema de palavras. E fez com que o povo conhecesse a beleza de imagens raras: calidoscópica. E colorida muito. E lírica. E suave. Sua visão do mundo era a mais. A visão de um trovador. Humildes roupas dependuradas no arame humílimo de um quintal do morro, transformaram-se: “Nossas roupas comuns dependuradas, na corda quais bandeiras agitadas, semelhavam estranho festival, festa dos nossos trapos coloridos, a mostrar que nos morros mal vestidos é sempre feriado nacional”. E o povo cantava liricamente com o seu poeta contando que a lua salpicava de estrelas nosso chão. E vinha tristonho cantar, “porque a canção mais aflita é a forma que é a mais bonita da gente poder chorar”. E havia mais: “Um coração sem carinho é ave que perde o ninho, na fúria do vendaval. E é triste um ninho rolando e um passarinho cantando em busca de um canto igual”. Já afirmou Manoel Bandeira, falando de cátedra, da beleza do verso: “Tu pisavas nos astros, distraída...” Lindo! 

É para se lembrar que no romantismo, do qual ainda nem sequer saímos direito, Castro Alves, Fagundes Varela, e outros poetas punham letras belíssimas nas modinhas e canções que nossos avós ouviam. Seus olhos são negros, negros, como as noites sem luar. São ardentes são profundos, como o negrume do mar. E por aí além. E agora não hoje nem a semana passada, mas desde que Orestes Barbosa deixou de escrever os seus poemas para o caboclinho musicar e cantar, a sorte nos valeu. Outro poeta, Vinícius, tomou-lhe o lugar. Pois que houve Deus por bem determinar que neste Vale de Lágrimas jamais chegássemos ao fundo do abismo, eis que a poesia nos salva do desespero. “Eu só vou, se for para ver uma estrela aparecer na manhã de um novo amor...” eco, resposta e revisão daquele: agora vivo mentindo, dizendo saudade rindo, fingindo o que já não sou. Como quem crença não acha, como quem passa a borracha, num lindo trecho que errou. 

Ossanha e Hossana! Aleleluia! Que Deus nos outorgue os poetas. E nô-los preserve e conserve para sempre, amém! E não será este final, como se poderia supor, no estilo de o rei morreu, viva o rei, porque felizmente para nós, se este outro chegou para a renovação e a variação, para a presença da Poesia – perenal – Orestes Barbosa já se tornou imortal, sarava!

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