quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ainda regresso

Ruth Guimarães 

Os dicionários dizem que regresso é volta: ação de tornar ao ponto de partida. E não me é lícito duvidar dos dicionários, escriba que sou e escrava das palavras. E cá me vejo a cogitar como se pode voltar ao ponto de partida e onde fica esse ponto de partida, completa e definitivamente perdido no tempo, enquanto o que vai - eu que fui – me desnorteei pelos caminhos do mundo. De modo que regresso talvez não exista na sua significação tremenda e misteriosa. Se é a volta do que é ao que continua sendo não pode vir o que é ao que já não é; nem o que não é mais ao que ainda é; nem o que deixou de ser ao que jamais permanece – pois que tudo são extravios e desencontros. Vida engraçada, sem repetição! Todas essas coisas me ocorrem por via do “Pocinho da Vorta”, de usufruto do Sr. Ditinho do Ciano, um que está me devendo garapa do escaçador da fazenda dele. Como vou explicar: Ditinho e Eugenia me convidaram para ir passear na fazenda e tomar caldo de cana gelado com limão (cana bambu, docinha de dar para o gado, passando na engrenagem, preta da moenda). Não fui, que não me apetece caldo-de-cana em julho, com aquele frio. E eles ficaram me devendo. Mas ao Pocim da Vorta eu jamais poderia faltar. Chego. Umas vacas refesteladas nos tomaram a frente. E vêm, bem de seu, chape, chape, chape, sujando a água toda, que se esparrinha nas margens. Cada escorregão na tabatinga é um chuveiro no capim. Foi a poder de muito vam’! vam’! Ei! dianh’! Ei! dianh’! que elas saíram, rebolando. Tornaram a escorregar, pesadas, na subida do barranco, bicho burro, vaca, ei bicho enorme! Até que enfim!... Não digo que não seja tudo igual, na lagoa dormida, agora que se aquietou, deitada de espelho contra o céu. Redondo o pocinho, com suas margens chanfradas e a alcatifa verde, baixa e macia, em torno. Perereca pererecando, mosquitinho pólvora, chamado mosquito chumbo e birigui; tié piranga em voo rasante, na baixada, anum preto de tesoura nas pontas do moirão, tiziu, bicharedo miúdo, chia-que-chia, e a flor de taboa especada entre pontas de lanças do folhedo. Água forte. Até são os mesmos esses moleques escondidos nas touças de mato, que depois se apincham, é ver sapo espichado, tché, água esparramada para todo o lado. E esta nuvem, e este verde, esta luz, este caminho, estas vacas e este nome profético do Pocim (da Volta). E, se tudo está aqui, o que não está? Falta o quem - não sei de que nem de quem. E nem sequer me resta o consolo de perguntar se mudaria o Pocim ou mudei eu, que esse danado Machado já disse, antes, tudo quanto eu queria dizer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário