quarta-feira, 1 de maio de 2013

A lagartixa verde

Ruth Guimarães 

-Lá vem ela- falou o rapaz, num tom que soou como um aviso. 

-Quem? 

-A tia Maria. A Maria do Tiba. 

A moça olhou para trás, piscou, fez um movimento de recuo e depois se voltou, sorrindo abertamente. 

-Tia Maria! A senhora?! Temos visita, a senhora não conhece esta nossa amiga; é de fora veio nos visitar... 

Atropelou as palavras, que, curiosamente, pareciam uma advertência. Teria sublinhado de fora? - A visita sentiu a mudança, estendeu cautelosa a mão delgada e sussurrou: 

-Prazer. 

-Prazer, por quê... Ora, bem se vê que não me conhece, nem de fama. 

Riu entre fechando os olhos, descendo as pálpebras de pestanas longas, num riso. Estaria na casa dos trinta. Trinta e sete, trinta e oito. Quem sabe mais? Morena. Magra. Colo alto. Pescoço alongado, meio a Modigliani. Brincos de argola. Gestos. Gestos. Nos braços magros tilintavam pulseiras. 

Cigana. 

Um lenço colorido, envolvendo os cabelos, como um turbante... A saia até quase os tornozelos, franzida na cintura, rodada, leve, com panejamentos. Os olhos. Os olhos, esses, eram vivos, travessos. Olhos de mocinha. Sem querer, a forasteira olhou para ela e depois para a lagartixa verde, imóvel na parede, prestes a saltar. O sobrinho se remexeu na cadeira. De repente a sala se encolheu, pequena para os quatro. E também de repente a história principiou a acontecer, em meio a um certo mal-estar e a olhares de soslaio. O sobrinho parecia saber alguma coisa que ninguém sabia. A lagartixa verde deu um golpe rápido, estendeu uma língua fina e a Maria de Tiba estava dizendo: 

-Bem que-todo-o-mundo dizia para não me casar com esse homem que podia ser meu pai. Mas eu quis. Era um coelhinho fofo, uma rolinha. Estava apaixonada. 

-Veja lá o que vai contar, tia! 

-Amor. -disse ela inesperadamente. 

A palavra soou bonita, no ar. Pelo seu resto perpassou uma expressão indefinível de tortura e de alegria. Lagartixa verde imóvel, olhos fechados, parecia dormir. 

-Eu estava com dezesseis anos, ele com quarenta e dois. Bonitão. Forte. Bigode preto. Lobo. Gato. Machão. Eu era uma rolinha sem juízo. Quem é que pode? Que culpa ele tinha? Pois foi isso, coitado! 

Deu uma risada de cristal. Pôs ponto nessa música assim, num estalo, sem mais nem menos. 

-Acabei com ele!- Deu uma risada, - Acabei com a Homência dele!- Deu outra risada. Em três tempos. 

-Chega tia! 

-Vinte anos? – disse ela. - ou mais? 

- Agora chega. 

- Fiz de tudo pra dar jeito- disse ela. 

- Chega! Eu já disse – o rapaz deu um murro na mesa. 

- Não, filho. É ela que eu amo. Não é caridade. Amor é isso. Eu vou contar... 

- Feche essa maldita boca! 

- Às vezes, de noite... Eu sei que não dá... Desço a rampa, vou pro corgo, lavo os pés na água fria, corrente. Venho andado só no calcanhar, até pisar na toalha, em cima da pedra... 

A voz era um murmúrio, lenta, sonolenta, o rumor do riacho cantava lá longe. 

-... Limpo os pés, espano daqui dali alguma folhinha seca, algum fiapo, rebarbas. Deito na cama, nos aos contrários da cabeceira. Encosto os pés no rosto dele. Friinho. Então ele chupa o meu dedo, até dormir. 

A Largatixa verde rabeou, correu pela parede e sumiu.

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