Ruth Guimarães
Eu queria, e muito, falar das belezas da minha terra. Ah! os cálidos poentes, e as noites de luar de azul profundo, numa sugestão de mistério e soledade. E numa igreja românica bem no alto. Na várzea o rio, onde a sombra do templo se debruça.
Foto de Botelho Netto |
E é só isso a sua terra, o luar e o rio? Eu podia falar também das paralelas que compõem as linhas da estrada de ferro, traços negros se perdendo no infinito. E dos jardins, diante das casas, com tanta bonina e resedá (que não se usam mais) e rainha margarida e tinhorão, antúrio, crisandália, essas florinhas matutas, senvergonhas pra pegar, que dão em qualquer chão, e florescem em qualquer tempo; e mais as rosinhas-todo-o-ano, que sobrem na primeira cerca que encontram. E como esquecer aquele caminho que vai dar na Mão-Fria? Sinuoso, estreito, marginado de árvores gigantescas: jabuticabeiras que perderam a conta de viver, o baquiribu de botões dourados, ereto como um general, o jacarandá, o pau-ferro. No fim do caminho a água clara, descendo do morro com força, se esparramando, prata líquida, pelo chão.
Também é bom lembrar uma estação que, nos áureos tempos, estocava duas mil toneladas de café, é um monstro de construção, uma enormidade, uma fábula, desafio à imaginação, um desaforo. Foi tombada pelo Condephaat e agora está tombando mesmo, caindo aos poucos. Já desapareceram os pisos antigos: das paredes, os azulejos raros; as pias de mármore rosa, as escadas de mogno, os pinhos de Riga, as floreiras e florões, por obra e graça de algum engenheiro de mão leve. As casas começam pelo alicerce, no chão, e principiam a morrer pelo teto. Não sei, não, aquele teto da velha armazenadora de café!
Foto de Botelho Netto |
Tanto a vida se repete, que deixamos de ver o que se nos apresenta de belo e de variado, para somente nos aborrecer com a repetição de quantas pequenezas. Algumas até já foram boas um dia. Algumas algaravias nos vieram como consolo ao coração e nos deram o consolo balsâmico de palavras suaves, e de lembranças.
O que nos comove tão profundamente, tão verdadeiro, tão outro, tão essa vida de todos os dias, que voltamos para as primeiras palavras balbuciadas, voltamos bem para aquele primeiro olhar que adivinha e se enche de amor.
Para essa expressão de límpida ternura, tão celeste e tão nova, que vem do céu.
Que nos leva para o céu.
Então vemos esses nomes tão festivos, tão repetidos, tão comuns e por eles vivemos por antecipação um céu menor. O nosso ceuzinho. Enquanto em torno de nós, no mundo inteiro, se procede um milagre: o maior, o mais seguro, o mais leve, que é a verdadeira felicidade.
Muito se tem falado hoje em dia das reformas de vida, de sociedades, de viagens e de recomeços. Uma vez que começamos e recomeçamos, e estamos precisamente num recomeço, o que devemos fazer? Deixar que a vida “vá de valsa” e que o acaso nos leve em suas asas da bonança? Façamos da Arte, enquanto nos for facultado, o nosso escopo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário